Camille detestava psiquiatras. A nobre área da medicina não conseguia sensibilizar uma mulher que enfrentava o mundo exterior, mas tinha medo de entrar em contato com seu mundo interior. Sua mente era um cofre, tão sofisticada quanto fechada. Sua inteligência era extraordinária, tão complexa quanto difícil de lidar.
Ela acabara de sair do consultório de mais um profissional. Como sempre, foi embora confrontando-o, esbravejando, em eloquente crise se ansiedade. Dessa vez, no entanto, tinha sido diferente. A intelectual que deixava embasbacados psiquiatras, psicólogos, intelectuais e políticos com sua surpreendente capacidade de debater idéias saiu no meio da consulta inteiramente abalada. Recebera um diagnóstico que fez o mundo ruir aos seus pés.
A mulher rica e culta que tinha fobia social, que não andava sozinha nas ruas que se recusa a ser o centro das atenções e detestava platéias, tornou-se atriz principal de um espetáculo público, uma peça que representava sua calida e asfixiada emoção. Não se importava com mais nada. Raramente chorava e nunca deixava de transparecer sua dor. Dessa vez, porém, chorou descontroladamente. Conheceu a linguagem das lágrimas, a mais universal e penetrante de todas as locuções. Sentou se numa muleta que contornava um belo jardim onde nasciam margaridas, jasmins e violetas multicoloridas. Seu mundo, no entanto, era destituído de cores e de flores.
Os passantes interromperam sua marcha para ver o espetáculo. Rodearam-na. Atônito, vislumbravam uma bela mulher em prantos, desesperada, sofrendo tanto que havia perdido os freios sociais. Alguns se emocionaram e se identificaram com ela. Cedo ou tarde, todos tem seus dias de desespero, e não poucos espectadores ali presentes já os tinham experimentado. Com as mãos cobrindo o rosto, ela proclamava:
- Quem sou eu? Quem sou eu? É insuportável. Quem sou eu?
A platéia emudeceu diante dessas simples e tépidas palavras. As pessoas não sabiam o que dizer ou como intervir. Alguns ficaram com lágrimas nos olhos. Outros, que iam se reunindo à multidão, perguntavam entre si " o que aconteceu?". Outros ainda indagavam "quem morreu?". Momentos depois, animado por um ímpeto altruísta, um homem de meia-idade tentou ajudá-la. Pensando que ela tivesse rompido a conexão com seu passado e perdido a memória, tocou suavemente no seu ombro direito e perguntou:
- Moça... Moça, você precisa de alguma coisa? Você está com seus documentos?
Ela não respondeu. Parecia não estar ali. Os passantes não tinham idéia de quem se tratava. Alguns eram leitores dos seus livros, mas não conheciam seu rosto, já que raramente ela dava entrevistas. Não sabiam que a mulher em pânico costumava ser discretos Simão, raramente falava de si, sobretudo com estranhos, embora falasse dos porões da sua história de forma subliminar, através dos personagens que criava. Para aquela mulher as idéias eram mais importantes que a imagem. Após alguns segundos, ela rompeu as amarras do silêncio. Ergueu seus olhos úmidos para as pessoas e, revelando uma face angustiada e incorfomada, exclamou:
- Estou muito doente! Muito... Mas digam-me! Eu pareço oferecer algum perigo? - E, passando os olhos pela platéia, perguntou:- Coloco suas vidas em risco?
Perplexo e confuso, o homem que havia falado com ela se adiantou e respondeu:
- Não! Penso que não...
Outro homem, se cabelos grisalhos e aparência de médico, arriscou-se a perguntar:
- O que você está sentindo?
Camille não demorou a responder.
- Estou com câncer.
Uma senhora com lábios trêmulos, tentando consolá-la, interveio:
- Oh, minha querida. Eu também já tive, mas me curei.
Camille olhou fundo em seus olhos e comentou:
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Armadilhas da mente de Augusto Cury
RomanceNão há mentes impenetráveis, apenas chaves erradas