CAPITULO 3

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Patrícia levantou-se e foi até o meio do quarto, estava tudo escuro, cortinas grossas, bordos, pendiam do teto garantindo à vampira a devida segurança. Andou pelo quarto acostumando-se aos móveis novos, de madeira nobre e cores sóbrias. Ainda se encontrava confusa, insatisfeita com as explicações dadas pela criatura.

Sabia que já era noite, e seria seguro se aproximar da janela. Com um movimento rápido afastou as cortinas e pôde ter uma visão geral da paisagem. O parque Villa Lobos parecia vazio e calmo.

A vampira respirou fundo para sentir o cheiro da noite. Estava se habituando à capacidade de sentir mais cheiros do que poderia no passado. Era como Ignácio tinha ensinado: o ar só servia aos vampiros para levar e trazer os cheiros e para fazer as cordas vocais vibrarem. Oxigênio já não era um ingrediente necessário à sustentação da vida. Os músculos funcionavam mediante sangue fresco, e era disso que precisava. Talvez um outro encontro com Ignácio pudesse render uma nova bolsa cheia daquele líquido fabuloso. Sentia-se muito melhor naquela noite do que no começo da noite anterior, quando se completaria mais uma semana de abstinência ao fluido escarlate.

A vampira saiu do quarto e andou pela sala. Estava sozinha no apartamento. A cozinha vazia, a área de serviço vazia, encontrando móveis apenas no quarto e na sala. Perguntava-se por onde andavam os outros. Estariam igualmente deslumbrados com o ambiente confortável e abastado oferecido pelo vampiro? Queria vê-los. Saber se já haviam chegado a alguma conclusão quanto à proposta de Ignácio. Precisava da anuência do grupo. Patrícia sorriu. A palavra grupo ecoava em sua mente. Era parte de um grupo? Do modo como o velho vampiro tinha colocado, sim, era peça dum grupo de malditos vampiros. Sozinha não tomaria tal decisão. Não conseguia sequer imaginar-se assassina. Apesar da lembrança do sangue ofertado por Ignácio revolver-lhe o estômago e a ainda vivida sensação de bem-estar após servir-se da bolsa do banco de sangue percorrer seu ser, não se sentia capaz de matar uma mosca, conhecia as próprias limitações. Sabia que em situações extremas poderia até atravessar uma parede cavando com as próprias unhas, mas matar a sangue-frio, assim, num estalo... impossível. A imagem de Rafael e seu bando prendendo-a no porta-malas do Landau negro junto com o coitado do Júlio invadiu a memória. A garota julgava-se incapaz de fazer mal aos outros, mesmo a um palhaço assassino de mulheres.

Apesar de poucos móveis à disposição, aqueles que ali estavam eram de extremo bom gosto. Patrícia não vinha de uma família abastada, mas seus olhos sabiam reconhecer coisa fina. Madeiras grossas e escuras na mesa de jantar. Um sofá de couro, almofadas mais claras. Tudo retangular, geometricamente proporcional e casado. Estava numa casa chique. A garota vampira voltou para o quarto pensando em checar o guarda -roupa. Com sorte encontraria alguma coisa para vestir. Quando abriu a porta corrediça do móvel teve uma grata surpresa. Aquilo era mais que um guarda-roupas. Era o sonho de consumo de qualquer adolescente na sua idade. Gavetas e compartimentos estavam abarrotados de roupas, apetrechos e acessórios para seu número de manequim. Patrícia levou a mão à boca e soltou um sussurro. A sapateira contava com duas dúzias de calçados novinhos em folha. Mais um presente fornecido pelo veterano aliciador de vampiros órfãos. Assim que Patrícia começava a enxergar Ignácio. Um vampiro antigo que os havia encontrado e que agora a cercava com luxo, dinheiro e presentes de tirar o fôlego, coisas que sequer imaginava estarem ao seu alcance. Sim, tudo aquilo era de tirar o fôlego, o documento do apartamento que viera incluso no envelope amarelo estava em seu nome! Um imóvel daquele quilate em seu nome! Era como acertar na loteria. Era coisa demais. A garota lembrou do pai. Os pêlos da nuca arrepiaram. Seu pai sempre dizia que não existia almoço grátis no mundo dos negócios. Se Ignácio estava dando aquela fortuna ao grupo, com certeza cobraria algo em troca. Aos olhos da jovem Ignácio não transpirava altruísmo nem caridade. Tinha alguma coisa por trás daquela cara pálida e daquele jeito fraterno de abraçá-los e cativá-los. Ignácio era poderoso e perigoso.

Os Filhos De Sétimo (saga O Turno Da Noite Vol.1) André ViancoOnde histórias criam vida. Descubra agora