CAPITULO 12

46 2 0
                                    

Alguém abriu a portinhola. Frio. Patrícia fechou os olhos e ficou imóvel, imitando perfeitamente uma defunta. Até aquele instante estivera atenta ao som proveniente da sala. Esperava um momento de silêncio absoluto para tentar abrir o compartimento refrigerado e escapar. Ficou alarmada quando percebeu um assobio aproximando-se de sua geladeirinha particular. A pessoa tossiu ao abrir o compartimento. Dois segundos depois a maça sobre a qual repousava deslizou para fora da câmara. Parou. Ouviu os passos se afastando. Poderia arriscar uma olhadela? Não arriscou. Esperaria o silêncio...

que não veio, pois agora ouvia o guincho das rodinhas de outra maça sendo arrastada e vindo parar ao lado da sua. Bruno, por certo. Os pés do funcionário se afastaram de novo e ouviu uma pancada fechando a câmara frigorífica. Santo Deus... será que o legista os estava preparando para uma autópsia?! Se fosse esse o caso, teria de tomar uma atitude radical, intervindo diretamente e, talvez para ter alguma chance de escapar do IML, teria de matar o homem ou mulher que estava "trabalhando" em seu corpo...

outra morte, outro assassinato. Patrícia sentiu um frio na barriga ao imaginar-se tendo de matar outra pessoa naquela noite. Sem perceber estava contraindo o rosto, fazendo uma careta. Torceu para não estar sendo observada. O silêncio momentâneo e sepulcral indicava que talvez o homem tivesse visto, sim, a tal careta e agora a encarava, perplexo. Sabia que ele ou ela estava por perto. Talvez o legista estivesse com cara de espanto ou assustado, se recusando a se aproximar, amedrontado demais com aquele espasmo repentino vindo da cara da morta. Por um segundo a vampira teve vontade de rir. Se não se controlasse o cara ia entrar em desespero. Mas foi ela, a garota morta-viva que tomou um susto.

- Patrícia! - chamou a voz feminina, inesperadamente. Patrícia manteve-se imóvel. Não tinha consigo documentos que a identificasse. Como podia?

- Bruno! - chamou novamente a voz delicada. Patrícia sentiu um desejo imenso de abrir os olhos e satisfazer a curiosidade. A voz chamava pelos dois... como podia?

- Vamos, seus vampiros duma figa, podem abrir os olhos. Estão seguros comigo.

Patrícia hesitou.

- Quem é você? - ouviu a voz momentaneamente rouca do parceiro vampiro.

Não tinha mais volta, agora poderia abrir os olhos, uma vez que Bruno tinha revelado o segredinho da dupla.

Patrícia viu uma jovem loira, não mais que trinta anos, olhos verdes. Vestia um jaleco branco, típico de médicos, talvez fosse a legista.

- Ignácio me ligou. Vocês são do turno da noite, não são? Olha, o pessoal está no horário de folga. Saí para escovar os dentes, ninguém sabe que estou aqui. Não tem câmeras nesse prédio. - revelou a mulher exibindo uma pequena nécessaire. - Vocês têm dez minutos para sumir daqui. Eu mostro como. - disse, indicando uma janela basculante aberta. - Saltem a grade de proteção, são mais de três da manhã, segurança não tem, mas tomem cuidado antes de saltar para a calçada, pode ter alguém de passagem. Vão sair na Cardeal Arco Verde. Tome, peguem um táxi, não façam nada contra o pobre do taxista.

Bruno aquiesceu. apanhando o dinheiro da mão da providencial amiga.

- Desçam a rua, no quarteirão seguinte, no HC, tem bastante táxi para tirar vocês daqui em segurança. Não fiquem perambulando por aí, passam das três, como já falei, se esquecerem da hora, correm o risco de fritar no sol. Boa sorte.

A mulher lançou um sorriso para a dupla e deixou a sala.

Os dois trocaram um olhar, depois olharam para a janela basculante semi-aberta. Não tinham outra escolha.



Os Filhos De Sétimo (saga O Turno Da Noite Vol.1) André ViancoOnde histórias criam vida. Descubra agora