CAPITULO 16

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Yuli chorava e segurava a cabeça de Marcos entre os joelhos. Tinham ido até a rodoviária de Osasco para comprar passagens para Porto Alegre. De uma hora para outra o namorado começou a suar frio e a se contorcer. Atravessaram o túnel por baixo da estação do centro e caminharam pelo calçadão. A garota estranhou. Quando passaram da primeira vez, rumo à rodoviária, aquele lugar estava uma algazarra. Agora estava quieto demais. Muita gente parada na frente da loja, de costas para o movimento das calçadas e do largo. Yuli, preocupada com Marcos que piorava, conduziu-o para dentro de um shopping center. Sua atenção foi absorvida de uma forma que não deu mais atenção para o estranho comportamento dos vendedores e clientes de lojas de eletrodomésticos. Não havia balbúrdia alguma. Estavam todos parados. No Ponto Frio, Casas Bahia ou qualquer outra loja as pessoas estavam com os olhos grudados nas telas de TV

Quando entrou no shopping, Yuli praticamente carregava o garoto. Marcos sentou-se num banco por coisa de cinco minutos, daí seus olhos viraram e ele começou a babar. Yuli tentava disfarçar quando seguranças passavam perto olhando para o rapaz. Numa oportunidade arrastou-o para um dos banheiros do shopping. Levou-o até o banheiro feminino e agora estava lá, chorando, com Marcos estendido no chão e contorcendo-se cada vez mais. Yuli não sabia o que fazer. Não podia deixar que levassem o namorado para a enfermaria. Não detectariam batimentos cardíacos, nem medição da pressão arterial, pele fria. Marcos seria arrancado dela. O garoto soltou um gemido quando duas mulheres e duas menininhas entravam. As garotas assustaram-se, as mulheres falaram qualquer coisa. Yuli gritou, enraivecida, espantando-as. Sabia o que acontecia com Marcos. Era a primeira lua cheia do mês. Perderiam a forma humana e o autocontrole por algumas horas. Por alguns momentos seriam apenas bestas feras, peludas e recheadas de dentes afiados para espalhar a morte e saciar a fome e a sede. Segurou a cabeça de Marcos com mais firmeza. Ele batia o crânio com tanta força que o piso de cerâmica rachou com as pancadas. Homens gritavam do lado de fora avisando que iam entrar. Yuli gritou de volta procurando ganhar tempo. Correu até a porta e enfiou o cabo de um esfregão que estava num carrinho de limpeza. A porta foi travada, mas não ia durar muito. Olhou para os lados. Não sabia o que fazer. Olhou-se no espelho. Um calafrio subiu por sua espinha. Nunca tinha visto a si própria daquela forma. Suas orelhas estavam longas e pontiagudas e seus olhos tinham mudado um pouquinho de posição. Ela também estava se transformando, no entanto não sofria espasmos e falta de controle como o namorado. Arrancou o aparelho elétrico de secar as mãos da parede e arremessou-o contra o espelho. Sete anos de azar. Ouviu o cabo da vassoura quebrando. Não deixaria Marcos ser capturado.

Dimitri atendeu o celular. Era um dos funcionários do Sofia. Estava passando um endereço. Tinha de seguir imediatamente para o shopping do centro. Diziam que uma garota pálida como leite estava arrumando o maior furdunço. Dimitri avisou Tobia que vinha no banco de passageiros. O caçador de vampiros lia atentamente as notícias num site da Internet. Não podia acreditar que os militares estavam indo na contramão da situação e assumindo abertamente que o país estava sendo ameaçado por vampiros. Não tinham dito "vampiro" com todas as letras, mas era só ler atentamente a descrição que davam para os infectos. Dentes pontiagudos, pele pálida, comportamento violento. Não precisavam dizer mais nada. Em questão de horas a notícia correria o mundo e os olhos de todos se virariam para o Brasil, para Osasco e para o sul. Era de se esperar que tentassem encobrir o fato a todo custo por conta da onda de terror que assolaria a nação. Mas Tobia sabia que os Verdes teriam de admitir isso e muito mais nos dias seguintes. O caso de Amarração e a neve em Osasco ainda eram episódios frescos na memória dos meios de comunicação. E justo agora, quando o Exército assumia abertamente o combate aos vampiros, uma ligação caía de bandeja no colo deles, entregando o primeiro caso desde a noite em que Tobia, bravamente, havia decepado a cabeça de Sétimo.

Os Filhos De Sétimo (saga O Turno Da Noite Vol.1) André ViancoOnde histórias criam vida. Descubra agora