CAPITULO 18

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A garota loba despertou aos prantos. A lembrança forte das horas finais da noite anterior vieram vivas à sua memória. Marcos estava morto. Seu amado estava morto. Agora Yuli sentia-se mais perdida e sozinha do que nunca. Se não podia voltar ao aconchego de seu lar, não podia mais contar com os carinhos e atenções de seu namorado, o que faria do seu arremedo de vida?

Assim que Yuli retomou o controle sobre o pranto, baixou os olhos para seu corpo nu. Afastou a lona velha e algumas das centenas de caixas de madeira que estavam ao seu lado e olhou para o imenso salão deserto. Lá fora ouvia vozes. Ao menos seu esconderijo tinha funcionado. Tinha cruzado as horas de sol na total escuridão sem ser descoberta e presa. Caminhou aflita abrindo caminho entre baratas e outros insetos no meio do amontoado de velhos caixotes. Voltou para uma saleta anexa ao salão onde existia uma parede rachada, por onde tinha se esgueirado na alvorada anterior. Pelo mormaço do lado de fora a vampira concluiu que anoitecera há pouco. Olhou para o terreno. Ali, junto à parede quebrada havia um canteiro com plantas malcuidadas, que favorecia seu esconderijo. Olhou para os lados. O que fazer? Estava nua em pêlo. Não podia sair assim por aí. Nem podia perder muito tempo solucionando aquele problema. Tinha um horário a cumprir. Apesar de ter perdido sua passagem em algum lugar em Osasco, sabia o horário de partida do ônibus. Dez da noite. Olhou para o estacionamento cheio de caminhões. Esgueirou-se pelas sombras. O movimento era intenso naquele horário no CEAGESP e dificultava sua empreitada. Os outros tantos galpões, chamados de boxes, estavam apinhados de feirantes, quitandeiros e verdureiros das cidades da região. O cheiro de frutas frescas chegava ao seu nariz. No passado o aroma das mangas e goiabas faria seu estômago roncar e encher-se de água na boca. Hoje, era só um cheiro. Percebeu um instante de quietude na rua que queria atravessar. Uma perua Kombi estacionada ao lado de um box, escondida pelas sombras era seu primeiro objetivo. Chegando ao veículo percebeu que estava vazio. Apertou a maçaneta e puxou a porta do condutor que estalou e rangeu ao ser aberta. Yuli apertou os olhos orientais e conferiu ao redor se alguém tinha escutado o barulho ou vinha em sua direção. Nada. Sorriu olhando para o interior da Kombi. Tirou a sorte grande. Se é que podia chamar aquela surrada e fedida camisa de feirante de um tesouro para um sortudo. Não se fez de rogada e vestiu a camisa rapidamente. Já era alguma coisa. Olhou para um lençol velho que recobria o banco rasgado na parte dos passageiros da frente. Puxou o tecido que, de tão úmido e gasto, rasgou-se quase ao meio. Mesmo assim serviu. Yuli, a mirrada garota, improvisou uma saia com a imitação barata da fazenda. Yuli girou os cabelos longos, negros e lisos e jogo-os nas costas, afastando-se com passos rápidos e ajeitando a gola. Rodou pelo estacionamento até encontrar um carro onde uma mulher sozinha mantinha a porta aberta. Yuli olhou para os lados e mordeu os lábios. Olhou para o imenso relógio do CEAGESP. Quase oito da noite. O tempo corria rápido demais para quem poderia gozar da vida eterna. A garota andou mais alguns passos, afastando-se, depois parou. A mulher continuava lá, massageando os pés e com a porta do carro aberta. Yuli estava descalça. Precisava dos sapatos daquela mulher. Yuli nunca tinha roubado nada na vida. Virou-se em sentido à mulher desprevenida. Aproximou-se em silêncio. Quando a mulher deu conta, aquela japonesinha maltrapilha e com o rosto sujo estava parada na frente dela. A mulher, assustada, tirou a bolsa do colo e colocou no banco de trás.

— Diga, garota? O que você quer? Não tenho esmola pra mendiga, não.

Yuli franziu a testa, sentindo-se ofendida. -— Desembucha, menina. Fala logo e sai daqui que você está fedendo. Pobre é uma desgraça, mesmo.

Os Filhos De Sétimo (saga O Turno Da Noite Vol.1) André ViancoOnde histórias criam vida. Descubra agora