Andaram pelas cavernas da forja até que Midrakus mostrou uma escadaria que levava a um conjunto de salas bastante incomuns. Dentro do local, havia uma dúzia de balcões, com metal, cristais, vidros contendo todo tipo de líquidos, cobras, lagartos e outros seres em potes cheios de água, ou algum líquido de aparência similar. Mais adiante, havia um cômodo preenchido por ar fresco e uns divãs. Öfinnel sentou-se. Estava distraído pelas formas metálicas presas ao seu braço. Havia símbolos e relevos, os quais não podia compreender. Duas hastes, na parte de dentro do antebraço de metal pareciam ser alavancas móveis. Ele puxou uma delas e uma espécie de arpão armou-se, saindo das costas da mão. Pensou "dá para machucar alguém com isso". A outra alavanca produzia um gancho para o qual era possível arranjar utilidade.
Enquanto Öfinnel se distraia examinando a mãozorra artificial, Midrakus preparava algo. Em uma jaula, um pequeno demônio que se debatia, chamando atenção. Era uma criaturinha muito feroz e faminta. Midrakus desembainhou a espada recém-forjada que mostrou um brilho esverdeado. Ele cutucou-o de leve com a ponta da espada, e imediatamente a criatura berrou com dor, tendo sido queimada.
– Me parece bom! – Öfinnel disse impressionado.
– Tem mais – retrucou o estranho feiticeiro de aparência élfica, mas de natureza íntima para todos desconhecida.
Usando a lâmina, sem esforço algum, decepou a cauda da criatura. A capacidade de corte, parecia aumentada, de algum modo. Por fim, espetou a criatura com a espada, que após leve tremor e zumbido, explodiu em pedacinhos.
– Ótimo! Não vejo a hora de começar a ceifar demônios com esta espada.
– Devo adverti-lo. Este instrumento é muito poderoso e não deve cair nas mãos do inimigo. Há um mecanismo, sensível a qualquer toque de criatura viva, boa ou má, incluindo o senhor Majestade. Poucos instantes irão bastar. A arma irá explodir também, e tal explosão, há de ser muito violenta. Vê este brilho esverdeado?
– Sim...
– É uma emanação nociva a qualquer criatura viva. Seu poder está selado por uma espécie de redoma, mas ainda assim escapa. Deve manter a espada embainhada, o tanto quanto possível. Em seu interior, este material especial encontra-se mais concentrado e é um pouco instável. Esta explosão, se vier a ocorrer, aniquilará qualquer vida que esteja visível aos olhos até onde vai o horizonte. Portanto saiba que ela é um instrumento que põe em risco não apenas os inimigos, mas também os companheiros.
– Entendo.
– Ressalto o poder desta arma, Majestade. Se explodisse, aqui e agora, reduziria o monte Hostenoist a pó.
Midrakus embainhou a espada e entregou a Öfinnel. Junto, ofereceu-lhe uma luva, que usava há poucos momentos para empunhar a espada.
– Apenas por precaução, use essa luva em sua mão esquerda.
Era uma luva muito grossa e pesada. Parecia ter camadas de couro e também de metal. Deixava a mão um pouco desajeitada. Mas antes isso que por tudo pelos ares.
– Muito bem Majestade, agora deve descansar um pouco e preparar-se para voltar ao comando do exército. Ainda há uma longa campanha com muitas batalhas adiante. A espada certamente trará os resultados a nosso favor. Também não será sábio que deixe o Hostenoist até que sua nova armadura fique pronta. Não podemos arriscar que fique vulnerável demais nas batalhas adiante.
– Me sinto um peão e não um Rei.
– Cada um de nós tem esses momentos na vida. Hora de seguir a vontade alheia e hora de decidir e agir baseado em nossa própria vontade. Nesse aspecto reis e súditos não se diferenciam.
– Humpf!
– Uma curiosidade Majestade. Os deuses também lhe falaram, não é mesmo?
– Suponho que sim, quando acordei juro que podia me recordar disto, mas logo a coisa toda foi perdendo sentido e ficando nebulosa. Já não sei mais nada de tal conversa. Talvez...
– Sim?
– É como o senhor disse... Há muitas batalhas pela frente. Mesmo com tudo que perdemos, recuar e desistir já não parece mais uma opção. Sinto que agora algo mudou...
– O que seria?
– Até recentemente, julgava que esta batalha estava fora de nosso alcance, digo nós mortais, com espadas e exércitos. Que a luta contra tais demônios seria tarefa para deuses. Mas agora...
– Compreendo. Compreendo perfeitamente!
– Mais uma coisa, senhor Midrakus...
– Sim?
– Este anel – mostrei-lhe o presente que Raastad me oferecera, há alguns anos – ainda não sei bem como usar.
– Hum, instrumento curioso! Na realidade, apesar de ter função mais complexa, seu uso pode ser alcançado em momentos de descanso. Ele irá proporcionar um aumento em sua concentração e, possivelmente, conseguirá entrar num transe de memórias.
– Transe de memórias?
– Sim, uma espécie de sonho, porém no qual é possível acessar memórias há muito vividas, e, em muitos casos, esquecidas.
– Sim, foi o que Raastad me disse, que seria bom para minha memória.
– Suponho que tem dificuldades de lembrar-se coisas...
– Sim, por exemplo, segundo Raastad, nos conhecemos há muitas gerações atrás, mas de algum modo, me esqueci completamente disto.
– Suponho que seja assim com os holmös.
– Sim, um pouco. Alguns escrevem diários, mas nunca me importei muito com isso.
Midrakus olhou para o alto e ponderou – Eu, particularmente, confio na inteligência superior que modelou nossos corpos e mentes. Se nos esquecemos de algo, por desuso, aceito que faça parte de um processo natural e que tem suas razões. O esquecimento também tem sua função. Muitas vezes não fosse seu poder, não iríamos adiante com nossas obrigações, ficando presos ao passado. Mas, enfim, isso não é nada absolutamente verdadeiro, apenas uma maneira de encarar o assunto.
O rei olhou para o anel e pensou a respeito das palavras do feiticeiro. Talvez, Midrakus estivesse vivo por mais tempo. Talvez, desde antes das civilizações terem surgido. De algum modo o rei sentia que havia nele algo de divino e superior. E ao mesmo tempo, parecia estar presente e trabalhando todo o tempo para combater as trevas que ameaçavam tomar o mundo. Por um instante imaginou: Quem seria? Quem foram seus pais? Amou alguém? Teve filhos? E de algum modo, nem o rei, nem outros sentiam liberdade para tocar nestes assuntos com ele. Era como se não fosse mesmo daquele mundo. Nem hölmos, nem elfo, mas algo além e sem explicações.
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Öfinnel. Rei. Vidente. Guerreiro. Lenda.
FantasiaÖfinnel foi o último rei de Vellistrë antes que fosse destruída pelas hordas de demônios invasores. Determinado, forte e imortal. Está vivo há incontáveis gerações e sua memória vai se perdendo aos poucos. Fortes ondas do destino impelem suas açõe...