(2001) Singe: Para a sua informação

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Querido Dave,

Ia escrever "Diário", mas saiu o seu nome. É apropriado por vários motivos. Primeiro, escrevemos diários quando temos o que relatar. Foi assim que comecei a escrever os meus, quando tinha dez anos. Nossa, era mais nova do que você é agora.

Quando eu tinha dez anos, Dave, eu sempre tinha algo para escrever. Quando não me acontecia nada, eu sonhava com o que aconteceria. Sempre foi assim, vivi do presente e do futuro que eu montava na minha cabeça. E tinha tanta certeza, Dave, mas tanta certeza que daria tudo certo que nem dizia que era sonho. E, por muitos anos, funcionou, sim. Quando eu bati os olhos no seu pai, eu sabia que me casaria com ele. Sabia que teria filhos lindos. Sabia que teria muito dinheiro e viajaria por todo o mundo. Sabia um monte de coisas, Dave. Sabia tudo e não sabia nada. Não basta realizar os sonhos. Um dia eles não vão ser suficientes ou vão ser roubados de você em um sopro. Foi o que aconteceu comigo. Agora estou aqui, sem nada para contar do presente, pois os dias são todos iguais. Sem nada para contar sobre o futuro, pois já sei que sonhos não existem. Eles são feitos disso mesmo, de nuvem, de névoa, de poeira. São feitos para sumirem no momento que você os segura. São como aquelas miragens que apareciam na estrada quando fomos ao México, lembra, e você me perguntava se o chão estava molhado, e eu dizia que era apenas uma impressão que o sol causava.

Não sei por que escrevi o seu nome, e não o do Josh ou o da Baby. Acho que é porque ele começa com "D" de "diário". Não sei nem mesmo se você vai ler. É que, entenda, Dave, se o futuro é igual, talvez você nunca tenha a chance de ver quem eu realmente fui. E, se você encontrar ou se eu te mostrar essa página, você poderá saber que eu sorria, que eu tinha amigos, que o seu pai me amava e morávamos todos em uma casa linda. Que fazíamos planos. Que passeávamos, que passávamos as férias em Gloucestershire, que conversávamos e que, uma vez, apostamos que Baby nos daria nosso primeiro neto. Dizíamos que Josh era inquieto demais e provavelmente teria uma carreira que o faria viajar o mundo todo, e você se apaixonaria completamente por uma mulher que domasse seu gênio.

Eu era outra pessoa. Era muito mais bonita, também, mas isso não tem a menor importância. Sua mãe já foi linda, Dave. No entanto, isso nunca me serviu de nada. Poderia ter saído com todos os homens do mundo, só que não consegui ser feliz com o único que escolhi.

Talvez, quando você ler essa página, você já saiba que a tia Malu nunca teve um caso com seu pai. Você saiba que seu pai não nos abandonou por ser um canalha. Você saiba que a Lyla nunca destruiu a nossa família. Fiz isso sozinha. Passei bastante tempo te convencendo que o seu pai, a tia Malu e a Lyla são pessoas horríveis, e assumir essa culpa me faz a bandida da história. Não sei se sou. Sou a burra da história, isso posso te garantir. O problema, Dave, é que quando se chega a uma certa idade, cada passo errado te conduz para um novo caminho. Não como em um labirinto gigante, que assusta, mas tem volta, e você vai tentando novas entradas até que encontra a certa. Esses caminhos de adulto te levam embora. Você vai e não regressa. Pense muito bem em quais caminhos você vai tomar, Dave. Muito, muito mesmo. Nunca passe pelo que eu passei.

Está na hora do chá e estou no refeitório. Todos os internos estão aqui, e eles ficam conversando e se entupindo de biscoitos e o ar está fedido de fumaça de cigarro. Havia uma época que me preocupava muito com o cheiro do cigarro, agora não me importo mais. Não me importo mais com um monte de coisas. Também houve uma época em que os internos puxavam assunto comigo e tentavam me incluir nos papos. Mas eles não se interessam mais por mim, porque eu não participo. É que já estive no lugar deles. A primeira vez que estive aqui, eu era como eles. Achava que tudo ficaria bem, tudo daria certo e eu estaria curada. Mas, quando a gente recebe alta e passa por aquela porta, a gente pisa no mesmo mundo.

Não é um mundo bom, Dave.

Agora meu único sonho é que a vida trate você e seus irmãos melhor do que me tratou.

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Este é o último POV da Semana da Singe. Amanhã será anunciado um personagem novo no grupo Realidades Paralelas da Mari


O Lado Escuro da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora