Em plena tarde de verão, lá se encontrava George mais uma vez na estação. Estação na qual eles se conheceram, conversaram, se apaixonaram, onde ele a pediu em casamento. Estação também onde ele a viu desmaiar pela primeira vez, para descobrir logo em seguida que estava com um tumor inoperável no cérebro, para lutar com garra por uma vida que lhe foi arrancada apenas aos 49 anos de idade, quando ainda tinha tanto para viver, quando os dois ainda tinham tanto a aproveitar.
Doce Melissa, sua Mel, que ele tinha tido a sorte de encontrar com apenas 20 anos de idade, para perdê-la 25 anos depois,quando curiosamente haviam acabado de completar 21 anos de casamento, do qual ele nunca se arrependeu, mesmo com todos os seus amigos insistindo que ele estava casando cedo demais, que devia aproveitar mais a vida. Para quê? Se tudo o que ele queria era passar o resto de seus dias com sua Mel.
O mais triste é que nunca puderam ter filhos, mesmo indo a todos os médicos possíveis para fazer os mais diversos tipos de tratamento. A cada visita, só conseguiam decepção atrás de decepção, ao constatarem com cada não que recebiam que não importaria o que fizessem, Mel jamais poderia engravidar.
Com o passar do tempo, isso foi perdendo a importância e eles perceberam que se bastavam um para o outro, pelo menos até o aniversário de 45 anos de Mel, quando ela decidiu que já que não poderia ter filhos, eles deveriam adotar um, ideia na qual ele embarcou imediatamente, mas este, também acabou sendo outro sonho jogado fora com a chegada da doença que a assolou.
Desde o primeiro desmaio, George sabia que o que Mel tinha era sério, mas ver o modo como a degradação foi tomando conta dela, a ponto de às vezes não conseguir nem sair da cama, de tão fraca, o consumia de uma maneira que nem ele conseguia explicar.
Mas dentre essas vezes, um pequeno milagre acontecia e ela acordava disposta, parecida com a Mel que ele sempre amou. Foi num desses dias de saúde momentânea, que ela lhe pediu para irem passear, desejo que lhe foi logo concedido. Os dois foram ao cinema, ao restaurante favorito deles, tiveram tempo até de olhar o mar que parecia estar especialmente belo, completando o cenário com um céu de um azul que ofuscava a vista de tanta beleza. No fim do dia, depois de passearem como um verdadeiro casal de namorados, eles foram até a estação para voltar para casa e foi ali que se beijaram pela última vez, que ele a viu sorrir pela última vez.
Quando o trem estava prestes a chegar, ela desmaiou em seus braços para nunca mais acordar. Ainda chegou a passar uma semana inteira no hospital, em coma, mas mesmo quando a visitava, ele sabia que a vida do seu grande amor tinha chegado ao fim.
Não houve momento mais difícil em toda a sua vida do que aquele. Saber que iria acordar e não a veria nunca mais, simplesmente o devastava. Logo após o enterro, todos tentaram consolá-lo: seus pais, seus sogros, seus amigos e até mesmo sua irmã, que nunca foi lá muito sua fã.
Porém, nada fazia sentido, a vida havia perdido a importância e esse seu estado de espírito acabou por isolá-lo do mundo. Mesmo sendo sócio majoritário da firma de advocacia que montou junto com um colega da faculdade, não conseguia se animar para trabalhar e depois de poucos meses, resolveu vender sua parte na firma. Com o dinheiro da venda, que foi bastante alto, aplicou num fundo de investimento, que lhe rendia uma boa quantia mensal e ainda lhe dava tempo para fazer o que quisesse.
Na garagem da sua bela casa, mais vazia depois que ele também vendeu o carro, resolveu fazer um ateliê e espalhou telas por toda parte, que fazia questão de pintar todos os dias, retomando um hobby que havia abandonado quando se tornara um advogado de sucesso. Começou a passar mais tempo no ateliê até do que em sua própria casa, que mesmo sendo ao lado da garagem parecia maior e mais vazia do que nunca.
As visitas após a morte de Mel, que eram quase diárias, passaram a ser cada vez mais esporádicas, especialmente pelo modo como ele as recebia, com distância, frieza e falta de atenção. Por fim, nem mais a pintura parecia aplacar o seu sofrimento e agora, no aniversário de 5 anos de morte de sua esposa, se encontrava na estação que tanto fez parte de sua vida.
Lá estava ele, um cinquentão de 1,85m; ainda bastante em forma para a sua idade, com belos olhos castanhos e os cabelos levemente grisalhos. Seu olhar não tinha vida, e ele encontrava-se de pé, na plataforma descoberta de trens, num lugar onde ele sabia cada horário, conhecia cada atraso e cada pedacinho. Cinco anos sem o seu amor estava acabando com sua vida e já que era assim, por que não tirar sua vida de vez? E ainda num lugar que havia significado tanto para os dois. Onde quer que estivesse, Mel haveria de perdoá-lo, afinal ele estava indo ao encontro dela, não estava?
Ele havia acordado naquele dia decidido. Não tinha mais motivos para viver, então para que prolongar sua dor e a das pessoas que se importavam com ele e viviam reclamando o fato dele ser tão asseado, estar sempre de terno e com a barba bem-feita no passado. Enquanto agora andava desleixado e com uma barba digna de um personagem bíblico. Todos eles tinham razão, mas ele não ligava, pois não tinha mais motivos para se arrumar. Assim, ele decidiu que não tinha mais o que fazer, só precisava se matar e acabar com a sua dor.
Eram 2h42 da tarde, ele sabia que faltava apenas 3 minutos para o próximo trem chegar, e esse trem nunca se atrasava. Além do mais, era só ir para o comecinho da plataforma, pois assim o trem não teria tempo de frear, já que a máquina só parava no fim da plataforma na qual ele estava. Ele foi caminhando lentamente, até chegar à beirada; olhou para os lados e não viu ninguém, sabia disso, porque nunca tinha ninguém na estação à essa hora, a não ser que fosse algum feriado.
George olhou o relógio mais uma vez, 2h43, então desceu da plataforma, foi para o seu início e se deitou sobre os trilhos, cruzando as mãos sobre seu peito, de modo que não pudesse escapar do trem de modo algum.
Exatamente dentro de dois minutos a sua dor acabaria. Ele poderia ver Mel novamente, olhar seus belos olhos azuis, segurar suas mãos, admirar seu sorriso, ter seu amor de volta. Deitado sobre aqueles trilhos, ele se permitiu olhar para o céu uma última vez, que estava tão azul quanto no último passeio que fizera com Mel. Ao longe, ele já começou a ouvir o trem se aproximando e fechou os olhos, e assim que o fez ouviu uma voz pouco acima dele dizer:
—Eu não faria isso se fosse você.
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A Estação
RomanceGeorge é um viúvo que depois de anos de solidão resolve cometer suicídio, mas Emma, uma jovem de bem com a vida o salva e esse gesto trará consequências para as vidas de ambos, de um modo que eles nunca poderiam imaginar.