No último ano de estudos Daniel andava solitário. Felipe já havia se formado, e não havia outros amigos que o fizesse companhia. Mas não era triste. Gostava de ficar assim. Dizia: "Antes só do que mal acompanhado". Mesmo sem ser antipático nem mal educado tinha muita dificuldade em fazer novas amizades.
Foi aí que surgiu Milena.
Numa aula de literatura a moça recém transferida de escola entrou à sala e perguntou se podia se sentar ao lado de Daniel, que congelou. Ele tentou sem sucesso dizer que não havia problema, mas quem disse que a voz saía. Então, apenas balançou a cabeça positivamente.
Milena era linda. Tinha os cabelos castanhos cacheados e a pele clara, e ainda por cima, um sorriso radiante que desnorteava Daniel. Nenhuma vez ele sentira aquilo que agora deixava suas pernas sem força e a sensação de uma faca gelada encravada na barriga, sequer sabia o que estava acontecendo. Mas nós sabemos. Foi neste momento que o amor tratou de dar o primeiro nó nas tripas de nosso amigo e soltar a primeira gargalhada.
A aula era sobre Machado de Assis. O livro Dom Casmurro. Haveriam de discutir em duplas seu conteúdo para seminário em aula.
"Daniel e Milena", a professora indicava as duplas.
Pareceu agradável aos ouvidos do rapaz a combinação dos nomes. "Daniel e Milena" repetiu em pensamento.
Daniel era bastante discreto, mas ali não conseguiu ser. Fixou o olhar em Milena de tal forma que a constrangeu. Só disfarçou quando viu que ela o olhava também de soslaio e com bastante vergonha.
"E aí já leu o livro?" Perguntou meio sem jeito para ela.
"Três vezes, já!"
Daniel ainda estava na metade. Embora a professora tivesse dado a tarefa de lê-lo ao começo do ano, e já estava por terminar.
Ele tinha dificuldade de se concentrar na leitura. Começava a ler e logo se distraía. Era preciso recomeçar a cada tentativa. Não sabia quase nada da história. Mas a sua colega dominava não só o enredo do livro, mas também sabia tudo sobre Machado de Assis e tinha na ponta da língua uma resenha critica sobre o romance, que prontamente resumiu em uns cinco minutos.
"O que você acha?" Ela perguntou.
"Oi?"
"Sobre o livro, você acredita em Capitu?"
Daniel fez cara de quem não sabia quem era a tal Capitu.
"Já vi que você não leu o livro, né?" Disse ela sorrindo.
Então, gentilmente, passou a narrar a história com detalhes que, provavelmente, somente o Machado sabia. Depois, voltou a perguntar:
"E aí, você acredita em Capitu ou não?"
"Acho que não." Daniel respondeu hesitando.
"Sabe o que eu acho? Acho que existem amores impossíveis! Bentinho e Capitu se amavam, com toda certeza. Mas não era pra ser. O amor deles não poderia ter acontecido. A história deles não deveria nem ter sido contada. Acho, sinceramente, que existem amores que devem ser guardados em segredo para sempre, porque se começar a rolar o romance acaba em desgraça igual o de Romeu e Julieta ou em sofrimento como o de Bentinho e Capitu..."
Daniel olhava para Milena entre confuso e admirado. Falava com tanta propriedade sobre o amor para uma menina de dezessete anos. E parecia tão decidida a cerca de coisas que ele sequer se punha a pensar até então.
Até então não tinha nenhuma expectativa acerca do amor. Não tecia nenhuma tese a respeito. O amor para ele era o completo desconhecido.
Aos dezoito anos, teve uma ou outra namorada, mas sobre nenhuma investiu amor. Era coisa de adolescente. Beijar na boca, abraçar, e no primeiro descontentamento terminar e partir para outra.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Um Amor Impossível
RomanceA vida às vezes reserva amores impossíveis aos corações dos homens. Daniel foi vítima de uma dessas ciladas. Ainda jovem apaixonou-se por Milena para logo a perder. Um amor que o tempo não apagou e ainda se encarregou de escrever novos capítulos ano...