Capítulo ÚNICO

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PESCARIA NO RIO XINGU

O senhor José Rodrigues estava acompanhado do major Cabedelo e chegou à fazenda Montana margeando o Rio Xingu ali pelas nove horas da manhã. Ele e os outros estavam secos na vontade de jogar suas linhadas no famoso rio e pegar peixões de dez quilos pra cima. Um dos caseiros foi logo avisando que na semana anterior uns amigos do senador havia bamburrado na pescaria com mais de trinta pintados, todos acima de dezoito quilos. Pescaram um de quarenta e dois. Aquilo era musica da melhor qualidade para os ouvidos dos pescadores de muitas idas nas beiradas dos rios Araguaia, dos Bois, Paranaíba, Rio Vermelho, e outros de menor importância. Nem no pantanal José Rodrigues tinha pegado peixe grande assim. Havia feito uma boa pescaria, mas coisas pequenas, a abaixo de seis quilos. Agora ia se esbaldar

O caseiro estava dizendo algumas coisas, mas não deu para ouvir tudo, porque estava sonhando com um pintado de vinte quilos e só ouviu a palavra índio. Isto era normal, pois sabiam ser a fazenda vizinha da reserva dos temidos Karajas. Pegaram uma canoa destas de cinco metros com motor de quinze cavalos. Arrumaram uma redinha de isca e umas varinhas e foram para o rio. Apenas perguntaram sobre algum córrego ali perto para pegar iscas e se foram. O tanque de gasolina estava cheio. O Caseiro ficou olhando-os sem dizer nada, mas pensava em maus presságios. Passou-se mais de uma hora e o avião do senador fez manobras de aproximação e desceu na pista de grama da fazenda. Mal o homem entrou na varanda onde o esperavam o caseiro falou de seus temores. Dois hospedes que chegaram primeiro na camioneta haviam desceram o rio e não haviam voltado. A conversa era de eles ser exímios canoeiros, logo algo diferente devia ter acontecido.

José Rodrigues e o major desciam o rio contentes procurando um lugar para armar a tal redinha e pindar logo por ali para pegar os peixões noticiados. Enquanto enrolavam o dia escolheriam algum lugar para jogar iscas vivas e engatar algum peixão. Não perceberam nenhum córrego e foram descendo. Já haviam viajado mais de quarenta minutos quando viram um riacho caindo no Xingu. Viraram a canoa e entraram nele. Era muito piscoso. Mal estenderam a rede e quarou de peixes. Estava entretidos fisgando piaus um atrás do outro quando um tiro de doze aconteceu bem atrás deles. Um índio todo pintado de guerra havia disparado uma doze a menos de três deles. Aquilo assanhou todos os seus medos e pulou no piloto acionando o motor duma fieirada só. Quando embicou pro rumo do Xinguzão avistou uns vinte índios armados de carabinas papo-amarelo esperando-os na foz do córrego. Pronto o diabo estava na casa do terço.

Se tocassem seriam metralhados, poderia até escapar para o rio, mas não sobreviveria porque bem na frente, dentro do Xingu esperavam duas voadeiras com motores de vinte e cinco cavalos e mais índios armados. O jeito foi parar e ser apeado da canoa aos tapões. Foram arrastados para a margem e a coisa foi ficando preta pelo matraquear dos selvagens. Pelo visto formaram um tribunal de guerra e eles estavam sendo julgados. Apenas um deles falava português. Este os informou da violação do território e estavam presos. O conselho de caciques decidiria se seriam condenados a escravidão das mulheres ou se seriam mortos. Qualquer coisa era horrível. Um deles, um moleque duns quinze anos passou um laço no pescoço dos invasores e foram levando-os pelo trilheiro como se fossem cavalos capturados. Se diminuíam o passo um pouquinho eles davam lambadas. A coisa estava muito esquisita.

Foram apresentados a um velho vermelho e feio, de cara emburrada. Depois de muita discussão entre outros homens mais velhos, o tal conselho de caciques, o tal que falava português informou que o conselho dos chefes estava decidindo sobre eles. Nisto J. Rodrigues resolveu informar quem era o dono da canoa e amigos deles. A coisa surtiu efeito. Os tais conferenciaram e o interprete perguntou sobre projetos de interesse dos índios no gabinete do homem. A coisa fluía. Jose foi esperto se passando por assessor do senador. Falou sobre os projetos com propriedade, embora nunca tivesse pisado no gabinete dele. Acompanhava o desenrolar da causa indígena apenas pela TV Senado, mas sabia o suficiente para enrolar a indiada. Falou que o amigo senador poderia ajudá-los muito. Delvovessem o motor e a canoa e ele ia trazer o homem para conversar com eles.

Nova conferencia de lideres e decidiram que não iam devolver nada, nem canoa nem motor, nem pertences, como blusas, armas e tralha de pesca. Apontaram uma trilha na direção da fazenda do senador, aonde iam de vez enquanto. As coisas seriam devolvidas no dia seguinte com a presença do senador na aldeia. Viessem por terra, o grande cheque político branco sabia a estrada. Não viesse de avião e nem de canoa, senão seriam recebidos a bala. Duas mulheres jovens, nuas, fedendo a sovaqueiras veio e desamarrou os dois. Pelo visto eles já tinham passado à condição de escravos delas. Ela falou um monte de coisa como se educasse um animal domestico. Era uma bronca por ter de soltar seu escravo. Pelo visto tinha esperança de vê-los de volta. O tal que falava português era boa praça, não lhes batera hora nenhuma, não os maltratou e ainda ofereceu uma cabaça de água e uma capanga de trançado com farofa de bicho. Mostrou o caminho e falou dos perigos com onças se anoitecesse. A caminhada seria de mais ou menos três horas. Olhou um relógio digital no pulso e disse não precisar correr, chegariam antes das dezoito.

Eles saíram no terreiro da aldeia e mal encobriram na primeira curva de mato dispararam em correria. O major tinha treinamento militar, Zé Rodrigues já passava dos sessenta anos, mas nesta hora correu como se tivesse vinte. Chegaram à fazenda antes das cinco horas. O pessoal da fazenda estava incomodado. O senador veio recebê-los no curral. Apenas a água foi bebida no caminho. A tal farofa estava do mesmo jeito. Foi servida aos cachorros, que adoraram, devia ser muito gostosa, mas seria carne de que bicho? Relataram ao senador e ele até se dispôs ir lá conversar com seus vizinhos encrenqueiros, mas sua esposa, também deputada o aconselhou a esquecer os índios. Dois dias depois na primeira hora da tarde chegou uma centena de índios no curral. Foram empoleirando nas tabuas da cerca como se fossem donos. Estavam todos armados de carabinas e flechas. Um dos chefes veio falar com o político.

Perguntou pelos invasores. Eles não estavam mais na fazenda. Foi uma decepção porque tinha roído o trato e seriam levados de volta para as mulheres. O senador convidou os três chefes índios a entrar para a grande sala e ali eles perguntaram sobre ele despachar favoravelmente os projetos de interesse deles. Estavam dispostos a devolver a tralha confiscada. O homem estava com aqueles vizinhos entalados pelas muitas novilhas abatidas por eles e madeira de lei roubada pela tribo. Respondeu que não fazia este tipo de negocio. Iria despachar os projetos como se nem os conhecesse. Que ficassem com a canoa, da mesma forma como nunca procuram pagar as reses furtadas. Pelo visto os tais não gostaram do tratamento, mas neste momento apareceu na porta da sala, seis peões armados de carabinas e algumas figurações de metralhadoras. Já tinham visto aquela arma, mas não poderiam nunca desconfiar que fossem apenas armação de papel, muito parecida, mas não disparava uma bala.

Ele arredaram o pé dali imediatamente. Foi bom que deste dia em diante, nunca mais furtaram nem reses e nem madeira da fazenda. Tinham medo da metranca do senador. Viam vez por outra filmes na televisão e quando aparecia uma metralhadora o estrago era muito grande. O cacique maior ao saber do mal sucedido mandou devolver a canoa e o motor numa outra fazenda, pedindo que fosse entregue ao senador. Jose Rodrigues e o major estavam no meio dos jagunços, segurando a metranca de papel. E Zé ficou pensando no blefe. Se a guerra estourasse naquele momento ia morrer com uma replica de metralhadora Krupp ponto trinta na mão. Mas índio e meio besta, um dia o Anhanguera os tapeou pondo fogo em pinga e ameaçando incendiar o Rio Araguaia. Naquela ocasião também colou o embuste.

Nunca mais quis pescar no rio Xingu.

Aparecida de Goiânia GO, 07NOV15

Delegado Eurípedes III


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⏰ Última atualização: Dec 16, 2015 ⏰

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