À tardezinha Caíque entrou em casa correndo. Tinha levado uma carreira de Seu Bola, parece que o moleque afanara um ou outro quebra-queixo de sua barraca de doces, enquanto distraído, Seu Bola almoçava.
Não é que não houvesse jurisprudência para o caso, mas daquela vez, o menino jurava inocência. Seu passado, porém, o condenava.
Seu Bola pesava quase duzentos quilos. Por isso custou mais de vinte minutos para chegar à casa de Seu Mario. Tempo suficiente para que o menino fundamentasse sua defesa perante o tribunal e para que o excelentíssimo juiz Raimundo proferisse a sentença: Inocente! Quando Seu Bola parou em frente à porta frontal (de qualquer forma não passaria por ela), já arfando, não conseguiu dizer nada. Raimundo aproximou-se, o cumprimentou e deu-lhe uma nota de dez. O bastante para quitar a dívida deste e dos demais crimes do filho de todo o mês.
Atado à barra da saia da mãe o menino apenas sorriu aliviado, e com certo ar de preocupação. Seria aquele o dinheiro da merenda que o pai lhe daria? De fato não estava compensando a vida de crimes.
A feira havia acabado, e aos poucos a cidade ia se esvaziando. Inúmeras carroças, alguns carros, cavalos e motocicletas deixavam as ruas de Pé de Serra rumo aos povoados e aos sítios da região. Quem tinha família na cidade ainda ficava para a missa de domingo. Era o caso dos da casa de seu Mario.
Maria estava entediada. Passara o dia atada à amendoeira. Quando seu Mario veio vê-la, não tinha forças sequer para reclamar. Seu cocho estava vazio. Nem água nem comida. Nada.
Seu Mario quebrou o gelo depois de renovar os seus suprimentos:
- Como tá quente, hein, Maria?
Maria fez menção de dar atenção. Mas depois mudou de idéia. E nem era o fato de ter ficado amarrada o dia todo. Em verdade sentia-se solitária. E tinha convicção que isso se dera desde que Seu Mário encontrou aquele bendito anel. Maria não gostava de estar só. Tinha o costume de viver grudada no velho com quem tinha muitíssimas conversas. Tudo bem que era Seu Mário quem tomava sempre a palavra e nem a deixava falar. Mas desde o dia anterior não tinham trocado palavra.
Talvez por isso agora a aproximação do amigo fosse mais cautelosa:
- Oh! Maria deixei tu sem comida, é? Me perdoa, tô ficando velho, minha amiga. Mas também não foi fácil o dia, viu? Foi farinha estragada, menino tentando me roubar, anel...
Neste momento, Seu Mário interrompeu o discurso. Tinha medo que mais alguém viesse a ouvir. Meteu a mão no bolso, depois tirou, e fez um carinho no pescoço de Maria, que também não disse nada. Maria tinha entendido tudo. E havia perdoado tudo. Seu Mario que também não gostava da solidão, mas queria ao menos naquele dia um momento pra ficar sozinho em casa, com o único objetivo de encontrar esconderijo para o anel.
Então, vagarosamente voltou-se em direção a casa, introspectivo, imaginando qual seria um bom esconderijo.
Deixou Maria defronte à porta e ao entrar achou o filho e a nora cochichando na cozinha e Caíque cochilando no sofá. Aproveitou o momento, foi até ao quarto e rapidamente o investigou para ver se havia ali algum canto que servisse para esconderijo. Mas no quarto, afora a cama e a cômoda que eram muito previsíveis, só o pinico... Não havia ali nenhum bom lugar.
Saiu, então, e escaneou a sala onde Caíque estava, e também não encontrou nenhum lugar bom para depositar a jóia.
Ainda cochichando, Raimundo e a mulher saíram pela porta da cozinha. Só faltava procurar ali. Então Seu Mario entrou à cozinha e rapidamente estudou as opções que tinha: nenhuma, nenhuma. Aí se sentou no pequeno tamborete e pensou: "Tô é cansado disso. Ô trabalho mais sem jeito. "Pôs as mãos na cabeça e olhou para o teto. Quando voltou a cabeça para baixo avistou a saca de farinha ali na cozinha.
"Rapaz, aqui ninguém mexe. Até sábado que vem não vou mexer nisso e aí descanso por enquanto." Gostou da ideia. Mergulhou a mão no bolso, tomou o anel e enfiou o mais fundo na saca de farinha que conseguiu. Bem na hora que tirava a mão Raimundo e Dilce voltaram.
- Isso é hora pra comer farinha, seu Mario?! Dilce indagou, sorrindo.
- Hora de comer é a fome! Remendou, sisudo como sempre.
- A janta tá quase pronta...
Seu Mário levantou e foi ter com o menino na sala.
Depois de jantarem não levou muito tempo para Seu Mario começar a bocejar de sono. Sentado no sofá adormeceu ao lado do neto.
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O Anel do Rei
General FictionO Romance narra a história de Seu Mario, um velhinho do interior da Bahia e sua saga depois que encontra um anel supostamente valioso e toda aventura para protegê-lo de todos e seus devaneios que farão você ir do riso às lágrimas! Por favor comente...