CAPÍTULO VIII O REI DE PÉ DE SERRA

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Seu Mario abriu os olhos, havia se passado muitos anos. Ao olhar em volta não via mais a casa simples, mal pintada, ou o chão de cimento queimado. Estava no interior de um palácio, suntuoso em extremo. O chão era de um mármore estupendo, às janelas belíssimos vitrais onde o sol batia e quase cegava de tanta beleza, havia também acima de sua cabeça um enorme lustre com límpidos cristais . Seu Mario olhou em volta, parecia estar um quarto pelo que deduzia, Havia uma gigantesca cama bem ao centro, forrada de um tecido que mais parecia a pele de um bebê de tão liso. Mas era muito grande para um aposento apenas, era maior que sua casa, pensava o velho.

De repente uma batida seca na porta, que não demorou a abrir e revelar a figura de um homem esguio e elegante, trajando um terno preto.

_ Vossa majestade está bem esta manhã? Deseja que eu sirva o desjejum em seus aposentos novamente, ou será que para alegria de todos hoje o senhor está em condições de descer e saudar os seus súditos?

Seu Mario procurava a pessoa a quem o rapaz dirigia aquelas palavras. Sua cabeça girava.

Não demorou para entender que era consigo que o homem falava o chamando de majestade. Mas como fora parar ali? Não se lembrava de nada. Tudo estava muito confuso.

Caminhou até a porta por onde entrara o homem e deu uma espiadela. O homem entendeu que era o sinal para que ele quisesse descer e imediatamente chamou por outros criados que rapidamente entraram no quarto e sem que Seu Mario conseguisse dizer palavra foram logo o vestindo com uma roupa engraçada e cheia de brilho. Seu Mario empalideceu quando viu se aproximar uma senhora com uma coroa cravejada de pedras preciosas sobre uma almofada. A senhora cheia de reverencias tomou a coroa e gentilmente a colocou sobre a cabeça de Seu Mario.

Em seguida a mulher tomou a mão de Seu Mario e a beijou. Ele olhou para a própria mão e viu o anel. Neste instante um pouco de alívio tomou conta de si.

Os criados abriram a porta do quarto e praticamente arrastaram Seu Mario pra fora. Ao sair se deparou com uma enorme escadaria não menos espetacular que o cômodo de onde saíra. Aos pés da escada, não poucos criados o esperavam, todos uniformizados e a postos para o servirem com um enorme sorriso no rosto. Ao passo em que ia descendo as escadas um som de trombeta ecoava enquanto todos aplaudiam e gritavam:

_Deus salve o rei! Deus salve o rei!

Sobre a mesa um banquete variado, repleto de frutas e sucos, bolos, quitutes, comida que daria para alimentar toda a Bahia, Seu Mario pensou.

Depois de tomar café, o primeiro criado que foi ao quarto disse que estava na hora da saudação matinal ao povo.

Seu Mario não dizia nada, deixava-se levar pela coisa toda e sentia prazer em ser tão bajulado.

Ao lado do recinto onde estava havia enormes janelas que circundavam todo o lugar e uma porta gigantesca para onde Seu Mario foi levado. Precisou de dois homens para abri-la depois mais dois tocavam novamente a trombeta que irritava profundamente o velho. Seu Mario estava na sacada do palácio e ao olhar para baixo viu que uma multidão se aglomerava a fim de ver o rei.

Um dos que tocava o instrumento parou e com voz de trovão anunciou:

_ Vossa majestade o Rei de Pé de Serra, Dom Mario I!

E o povo extremamente excitado respondia gritando o nome do rei.

Após meia hora de pura euforia do povo ao ver seu monarca alguém cochichou ao ouvido de Seu Mario que ele já poderia entrar.

_ Mas já? Indagou o rei que curtia em demasia a sessão de aclamação que lhe era concedida.

Sim, era preciso, era necessário que sua majestade tomasse algumas decisões no tocante ao reino, decretasse, proibisse, nomeasse. Enfim, coisas de rei que lhes era pertinente.

Passou o dia entre o trono que, aliás, era um fantástico, feito todo em ouro maciço e com detalhes em jade, e assuntos de rei de que pouco entendia. Um reino vizinho que propunha guerra outro que oferecia a princesa em casamento. E neste meio tempo, quase sempre havia criados que vinham o adular e isso o deixava extasiado. Vez ou outra reclamava de dores no corpo ou calor, apenas para que entrasse alguém, somente para lhe aliviar.

Quando já era quase à tarde ouviu-se novamente a trombeta ecoar, e em seguida o homem de voz imponente bradou:

_ Todos de pé para receber a Condessa de Riachão, a rainha de Pé de Serra!

E como não dissesse o nome da rainha Seu Mario tratou logo de levantar-se, curioso e preocupado. Não se lembrava de ter-se casado novamente, nem de haver ouvido falar da tal condessa.

Olhou em volta e viu que a expressão de todos mudara. Já não tinham mais o rosto alegre de antes. Agora, pareciam todos nervosos e tristes. Os convivas e aclamações eram mecânicos e visivelmente sem paixão:

_ Viva a rainha, viva!

A rainha entrou com um chicote na mão e distribuindo açoites aos que achava não a louvasse com fervor, e eram muitos.

Usava um véu que cobria todo o rosto e um vestido longo e negro. Aproximou-se de Seu Mario, pegou-lhe a mão como quem quisesse repetir o gesto da criada que portava a coroa. Mas desta vez, para surpresa de Seu Mario ao invés de um beijo sentiu que a mulher cravava uma mordida na mão que possuía o anel. Ele puxou a mão num gesto rápido e ela foi para cima dele. Abraçou-lhe com a força de dez ursos.

_Me dá um beijo meu amor! E fazia de tudo para conseguir.

E retirando o véu que cobria a face revelou a figura de ninguém mais que Dona Chica.

Nesta hora Seu Mario sentiu que o estavam asfixiando.

Acordou suado e respirando com dificuldade.

_ Que pesadelo! Que pesadelo! Meu Deus do céu! Passava a mão no rosto, esfregando os olhos, e tentando se lembrar de cada detalhe do sonho. Aos poucos foi retomando à realidade. Olhou para o chão e já não viu o mármore de antes e nenhum luxo que acabava de experimentar estava a sua disposição. Ao menos não precisava beijar a velha.

E um pequeno sorriso suavizou a expressão de pavor.    


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