Foi ter com Gideão para ver se conseguia tomar o nome e o endereço do rapaz.
No caminho foi se preparando espiritualmente para encontrar Dona Chica. "É caso de desespero casar com uma mulher daquela. Trambolho. Meu amigo Gideão devia ter bebido muito quando decidiu fazer isso. Um traste de mulher que só vive feito o cão. Mulher mais feia, meu Deus!" Vinha tecendo uma espécie de desabafo mental. Tudo o que queria dizer ao amigo, que obviamente não ouviria.
Daquela vez, porém, ficara livre de suportar a presença da mulher. Achou Gideão sozinho, assentado á frente da casa com cara de cão sem dono que fazia quando não tinha a esposa por perto.
Depois que Seu Mario lhe pôs a par dos últimos episódios de sua aventura e de sua intenção em vender o anel para salvar o filho, Gideão não sabia o que dizer. Levantou-se com o peculiar sacrifício e ficou rodeando o velho enquanto coçava a cabeça. Ia dizer o que? Já era arriscado para Seu Mario ter consigo o anel, o que dizer então tentar vendê-lo. Se caísse em mãos erradas a possibilidade de dar em cadeia para Seu Mario era grande.
Pensou bastante, e concordou em dar o endereço do homem que conhecia bastante tempo em Riachão. "Homem de confiança",escreveu num pedaço de papel ao amigo. "Miro, mora na Rua do Coité. Chegando lá é só perguntar por ele que te indicam a casa. Diga que fui eu quem o indicou. Pode contar com a discrição de Miro, que ele guarda muito segredo meu e não é de hoje, estudamos juntos".
Seu Mario terminou de ler e agradeceu o amigo.
Gideão levantou e fez o sinal correspondente de "café" para perguntar se Seu Mario aceitava uma xícara. Seu Mario aceitou primeiro e depois se lembrou que o café feito pelas mãos do amigo era horroroso, nem sabia se havia café naquela mistura que mais lembrava um remédio.
Mal tinha recebido a xícara da mão do amigo quando ouviu os passos que se iam aproximando. Logo viu que era Dona Chica que chegava da rua. Quando a viu quase soltou no chão o café recém servido. Tomou tudo num gole, o que fez que quase vomitasse e levantou bruscamente. Virou para Gideão que fazia desesperado o gesto para que não fosse ainda. Mas não tinha jeito. Seu Mario via a velha e como o diabo quando vê a cruz, tratava logo de virar as costas e se ir.
Agradeceu muito ao Gideão. Apertou-lhe as mãos e fez menção de dizer algo, mas não disse para que a mulher não ouvisse.
Dona Chica resmungava no canto para que fosse embora aquela peste que não lhe deixava em paz. Que aquilo era tentação do capeta para roubar a sua paz. Gideão apenas fazia careta para a mulher e ia acompanhando Seu Mario até a saída.
Era sempre assim, Seu Mario não ficava sequer cinco minutos sem que agarrasse ódio, como dizia, daquela que um dia lhe mandara sequestrar. O perdão parecia impossível àquela altura. Por isso, deixou a casa de Gideão e foi-se irado pelo caminho. A voz da mulher apegada à memória lhe dava calafrios, tal eram os sentimentos que ele nutria por ela.
Tentou descansar um pouco daqueles sentimentos para pensar um pouco no projeto de venda da jóia. Ir até Riachão, procurar Miro. No endereço...
Não encontrou no bolso da calça o papel com a anotação do endereço do rapaz. Então tornou a procurar nos outros bolsos, na camisa, nada. De fato não estava consigo o papel. Preocupado, deu meia volta e retornou à casa do amigo.
Na agonia de reaver o papel nem chamou por Gideão e foi logo entrando à casa. Ouviu o barulho do chuveiro ligado e antes que pudesse chamar pelo nome de Gideão viu Dona Chica sair da cozinha com o ar de riso mais maquiavélico que já tinha visto.
_ É por isso que procuras meu bem? Disse ela balançando o papel onde estava o endereço do negociador de jóias.
_ Me dê logo o papel, traste!
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O Anel do Rei
Aktuelle LiteraturO Romance narra a história de Seu Mario, um velhinho do interior da Bahia e sua saga depois que encontra um anel supostamente valioso e toda aventura para protegê-lo de todos e seus devaneios que farão você ir do riso às lágrimas! Por favor comente...