Fiquei sabendo que encontrou outro alguém
E, no início, pensei que fosse mentira
— The 1975***
Naquela noite, subo ao quarto de Chelsea depois da maratona de filmes. Jessie escolheu um desenho para a estreia, acompanhada por Phoebe, Úrsula e meus pais.
Apesar da vontade negativa e a ansiedade a mil por hora, permaneço na sala. Dmitry fez pipoca enquanto mamãe pedia pizza de sorvete para sobremesa. Dentro do peito, meu coração palpita como se estivesse descendo na maior montanha-russa do estado. Chelsea dissera o horário em que deveríamos nos ver e estou nervoso desde então. Ela poderia me pedir qualquer coisa, que receio atender a qualquer custo.
Eram 23h quando fui dispensado. As gêmeas capotaram no sofá e Úrsula decidiu lavar a louça para nós. Me despeço deles, vou para o quarto e espero que todos caíam no sono.
Não demora muito. Às 23h15, minha nova irmã abre a porta, me puxando para dentro com força sobre-humana. Em cima da cama, os lençóis estavam mais bagunçados que os meus, havia roupas jogadas pelo chão e a TV ligada em um canal aleatório.
— Desculpe a bagunça — diz à porta do banheiro. A camisola de vaquinhas me obriga a soltar um riso. — Muito engraçado. A instituição me mandou roupas novas.
— O quê?
— É, seus banhos são demorados. Sente aí.
Obedeço. Ela some mais uma vez dentro do banheiro e volta com o que penso ser uma das agulhas que nossa mãe usava para prender o cabelo, mas não sei por que Sya a trouxe.
— Bom, oi, meu nome é Chelsea M. Skyler, tenho dezesseis anos e eu não queria estar aqui. Sua vez.
— O quê?
— Caramba, seu tonto. Me diga sobre você.
— Hum... oi, meu nome é Thomas F. Halder, tenho dezesseis anos e não sei para que você está fazendo isso.
Seus olhos verdes reviram.
— É o seguinte: se eu for contar toda a minha trajetória, é provável que você fique traumatizado. Por esse motivo, quero que sejamos mais do que irmãos; quero ser sua melhor amiga.
Espera...
— Você está de zoeira com a minha cara?! — Pergunto, me levantando.
— Por que "zoeira"?
— Achei que pediria algo, sei lá, complicado. Você invadiu meu quarto, me prensou na parede, me seguiu no bosque e quase me fez ter um orgasmo! Diga logo o que você quer!
Nessa hora, eu praticamente gritei. Os olhos dela fogem pelos cantos do cômodo, parando sobre o travesseiro que esconde um pedaço importante de papel roubado na tarde passada.
— Pegue a Kelly Ribaldi e vamos voltar ao que interessa, não é?
Certo, essa garota não gosta de papo furado. Pego a edição, guardando-a no bolso da calça com infinita vergonha.
— O fato é que somos dois adolescentes infelizes — começa. — Fiz aquilo com você para chamar sua atenção, provar que, sim, podemos não estar tão felizes com as vidas que os Halder nos dão. Uma irmã de verdade jamais pensaria em tocar nas suas partes íntimas. Como não somos parentes, tenho esse direito.
— Bom, na verdade não.
— Entenda o que quero dizer. Imagine o quanto estou triste por ter perdido meus verdadeiros pais, ido para um hospício por meses e tentado viver com uma nova família completamente diferente. Me sinto uma criança abandonada.
— Quer dizer que, ontem, você não estava querendo... meio que... ficar comigo?
— Já disse: foi tudo um plano para chamar exclusivamente a sua atenção ao nosso problema.
— Qual seria ele?
— Compreensão. Não queria ser a favorita, mas você deseja esse sentimento. Tantos filhos! Claro que eles iriam vacilar!
Como ela sabia?
— Muita terapia para entender... Tom, vou dizer minha proposta. Precisaremos colaborar e sermos, tipo, amigões. Nada pode escapar.
— Você quer me estudar?
— É: o convívio com seus pais, como se sente em relação aos irmãos, ao fato de não ter muito tempo ao lado deles, a atenção que nunca ganhou. Tudo mesmo!
— E o que quer em troca?
Chelsea respira. Tento entender seu raciocínio, e ainda estou chateado por todo aquele joguinho charmoso ter sido apenas para me colocar na palma da sua mão.
— Depois que eu os convencer a olhar para sua situação com mais cuidado, você entra. Os Halder têm que entender que nunca conseguirei esquecer o trauma da minha antiga família. Não há nada para se fazer, pois nunca desejei ser adotada ou considerada uma filha. Aqui é igual a um internato.
— Dizer que não queria estar aqui? Sério, minha mãe vai entrar em desespero! Você não faz ideia do quanto ela desejou sua guarda, cara.
— Bom, decida-se. Fique calado ou aguente esse grito de socorro no seu peito pedindo que sintam orgulho de você. A decisão é sua.
Envergonhado, começo a fitar meus pés em desespero total. Chelsea estava certa: não é fácil conviver com esse sufoco. Precisava de alguém que pudesse conversar sem magoá-los como eu faria se o fizesse.
Sya deve seguir minha lógica. Mas como dizer a eles sobre a garota que não quer ser nada além de visitante? E qual trauma atormentava a mente dela?
— Tudo bem.
— Beleza! Conhecerei a rotina do seu colégio logo pela manhã: amigos, inimigos, professores, lanche favorito, o que puder para me enturmar e fazer com que pareçamos amigos inseparáveis.
Concordo com um sorriso. Ela pega a agulha e corta o pulso em linha reta. É tão pequeno que parece um fio de cabelo. Repito o procedimento e juntamos nosso sangue. Bom saber que há uma lunática em casa.
Ao sair, selei um acordo. Não posso quebrá-lo de maneira alguma, mas não sei exatamente quando ou de qual forma agir.
Só quero saber seu segredo. Não como um simples irmão, confidente ou melhor amigo.
Acho que nunca gostei tão rápido de alguém senão dela.
— Thomas
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Hell Girl | COMPLETO
Mystery / ThrillerChelsea, uma garota amaldiçoada por entidades e mortes de seu passado, agora é confinada em uma nova vida dupla, ramificada entre conseguir se misturar entre os normais e desvendar a misteriosa onda de assassinatos que continua perseguindo-a aonde q...