1. Sendo um Imbecil

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Como se tornar um imbecil:

Passo 1 - Se apaixone

Passo 2 - Você é um imbecil

Eu devia amaldiçoar o dia em que conheci aquela filha da puta, mas não farei isso agora, nem nunca. Você não vai me encontrar resmungando sobre os declínios da minha vida por dois motivos, primeiro: eu não falo sozinho. Segundo: eu guardo tudo para mim. E guardo mesmo. Cada detalhe ruim e bom de qualquer acontecimento fica gravado na minha mente, como quando fui apresentado à Lorena.

Eu lembro até hoje o impacto que aquela mulher causou na minha vida. Fiquei fraco com o passar dos dias e a culpa era dela. Abstinência. Falta da excitação que ela me causava. Queria ver mais e mais daquele espetáculo que era ela chegando em algum lugar. As luzes pareciam se apagarem e só um holofote permanecia aceso, a platéia fazia silêncio, todo mundo torcia o pescoço e se esticava pra ver mais de perto aquela musa. O foco era ela.

Cabelo preto cacheado volumoso e um rosto tão branco parecido com uma daquelas mulheres de quadro renascentista com traços da Vênus de Milo, um par de pernas digno de uma passista e uma mania de usar meia-calça que me deixava louco.

Desde os dezesseis anos ela tinha decidido ser daquele jeito, totalmente original. Como eu sei? Sou viciado nela. Me apeguei a cada detalhe. Guardei o lado ruim e o lado bom de ser entregue a ela.

Amar Lorena era como aprender tocar violão. Você erra as notas, mas mantém a compostura para tentar novamente. Ganha calos nas pontas dos dedos, tem que cortar as unhas, terá um dia que você sentirá vontade de jogar tal instrumento longe. Aí você respira fundo, o deixa de lado dois minutos e depois é atraído para ele novamente. Quando vai perceber, já está com ele no seu colo e seus braços estão na posição correta. É a música e a poesia que te embebeda. No meu caso, é Lorena e suas nuances.

Quem dera alguém tivesse me alertado sobre a ingratidão que sondava o coração daquela mulher. Não dava nada a ninguém, só migalhas.

Eu, miserável com diploma e mestrado, ficava satisfeito. Pra mim, era melhor aceitar o pouco do que não aceitar nada. Procurei culpados pra essa minha fraqueza e achei meus pais. Era carência. Só descuido na infância explicava minha adoração por aquela mulher.

Na falta de copos pra quebrar, de jogos de ação para virar e de bebidas pra acabar, aceitei sentar em frente ao computador e expor todos os meus podres. Contar letra por letra o que é ser apaixonado por alguém que não retribui. Pior. Contar parágrafo por parágrafo o que é ser apaixonado por alguém que não retribui e, ainda assim, continuar amando a porra desse alguém.

Não estou afundando nesse apartamento à toa, se pudesse, eu estava me afundando nela. Mas ela não me quer mais. Abriu a porta da casa dela, me colocou pra fora, disse que tava cansada e voltou a dormir.

Bloqueou minhas chamadas, me bloqueou da vida dela. E eu, carente, não aceitei.

Estou pagando penitência, eu sei disso. Pagando o preço por ter magoado outras mulheres, por não ter gostado das meninas que gostavam de mim na época da escola, por ter desistido de um noivado de dois anos. Aquela diaba pegou um talão de multas e cobrou uma por uma.

Onde eu estava mesmo? Me achei. Ahn... O dia do encontro.

Era quatro de dezembro. Eu deveria estar na festa de aniversário do meu sobrinho, mas estava em uma balada. Duas latas de cerveja pra dentro e aí, aquela cretina apareceu. Um metro e sessenta de puro pecado. Sentou do meu lado no bar, pediu uma dose de tequila. Vi as mãos descerem para os pés, ela tinha descalçado os sapatos.

"Vai ficar me olhando?" e eu ia. Sorri com esse pensamento.

"Vou"

"Ótimo, porque hoje eu não tô tomando conta de mim. Se eu fizer algo bem sério, você me ajuda, tá?" perguntou, mas não aguardou resposta. Levantou e foi pra pista de dança.

Descalça.

Não era carnaval, não era uma boate gay, mas ainda era Lorena. E se não aceitassem ela dançando descalça, ela não aceitaria ficar naquele lugar. Simples como dois e dois são quatro.

Ignorei a loira que descansava no balcão do bar e fiquei vendo aquela mulher rindo ao som de alguma música do David Guetta que eu não consegui identificar.

Minutos depois ela voltou. O garçom colocou a tequila na mesa e ela virou de uma vez só.

"Até agora não precisei dos seus serviços, mas não me perde de vista porque a qualquer minuto eu tô fazendo merda."

"Não é melhor ficar sentada e quietinha?" Bebi um pouco da cerveja.

"E perder a diversão?" ela bufou "Deixo isso pra você. Por que tá tão triste aí sentado?"

"Não estou triste. Só não quero me balançar com um monte de gente suada ou cheirar com a galerinha lá do canto." Lorena pensou um pouco.

"Eu não estou suada. Quer dançar comigo?" Ergui as sobrancelhas e coloquei a lata no balcão "Meu nome é Lorena" e então ela sorriu. Fiquei uns segundos encarando seu rosto. Uma covinha apareceu na bochecha esquerda e o sorriso era infantil. Apertei o queixo dela.

"Eu sou Henrique."

Ela disse "vem" e segurou minha mão. Comecei a cavar minha cova desde então.

FeticheOnde histórias criam vida. Descubra agora