Capítulo Dois

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Parece que estou bebendo ácido quando ouço aquelas palavras saírem da boca de Heloísa, pois minha garganta queima. Então era ele? E falam que as mulheres são mais imprudentes no trânsito.

No momento as dores parecem sumir. Porém meus músculos ainda estão tensos, mas, de ódio. Quer dizer que o culpado por me deixar desempregado e quase me matar está aí fora?

_Mas quero deixar bem claro, senhor Nicholas, que ele não entrará sem sua permissão. - Heloísa afirmava enquanto tirava uma mecha loira da frente de seu rosto.

Respiro antes de falar.

_Por um acaso, no momento, o hospital está com algum outro quarto disponível Heloísa? - ela balança a cabeça em sinal positivo. Então continuo - Então é bom reservarem logo, porque se esse cara pisar nesse quarto, o hospital terá um novo paciente, e provavelmente com fraturas. - Digo sentindo minhas veias saltarem no meu pescoço.

Quando termino minha afirmação, acho que vejo uma mosca pousar em sua boca que está aberta diante daquela resposta. Mas então, ela volta a sua postura neutra e diz: - Porém, tenho que lembrar que você está nesse hospital, o melhor da capital, por causa dele. Nos dias de hoje, são poucos que tem essa atitude, senhor Nicholas, - falava enquanto fixava seus olhos ao chão - muitos te deixaria jogado lá, naquela faixa de pedestres.

Uma onda de arrependimento derruba minha ignorância. Meus músculos relaxam e minha mente entende o porquê de todo aquele conforto naquele quarto. Ar condicionado, TV a cabo, um ótimo atendimento. Eu estava em um hospital particular. E por causa dele! Se eu estivesse em um hospital público, do jeito que a situação da saúde está nos tempos de hoje, estaria dividindo o mesmo ambiente com pessoas desconhecidas, sem nenhuma privacidade, ou até mesmo ainda estaria esperando para ser atendido.

_Bom, vou deixar você sozinho para que possa pensar melhor. Não se esqueça, a campainha está bem do lado. - Ao terminar de falar, dá uma piscadela em minha direção e sai do quarto.

As palavras de Heloísa ecoam em minha cabeça. Ela está certa. Ele, seja lá quem for, estava apenas sendo generoso comigo, e eu aqui sendo um cavalo. Acho que alguém aqui precisa agradecer, minha consciência pesa. Posso conseguir outro emprego quando me recuperar, mas não irei me perdoar por essa atitude infantil. Sem pensar duas vezes aperto a campainha.

Mas o que eu vou falar?

Será que devo permanecer calado e esperar por alguma reação dele? Ou salto da cama e aperto seu pescoço até não sobrar nenhum resquício de ar em seus pulmões?

Heloísa então aparece na janela e olha pra mim. Não falo nada, deixo apenas o meu sorriso envergonhado transmitir o recado, e apenas com o olhar, ela me responde. Segundos depois, ela se afasta da janela e sai caminhando pelo corredor emitindo sons com seu sapato alto.

O silêncio retorna à minha mente apesar do barulho do ar condicionado e do monitor cardíaco. Tento formar uma frase com as palavras generosas que vou encontrando em minha cabeça. Mas no final de tudo, a única frase formada é um simples "oi".

Olho para o relógio na parede e me pergunto o que estaria fazendo se estivesse em casa, se nada disso tivesse acontecido. Estaria comemorando o meu novo trabalho? Ou pesquisando alguma vaga em sites de agência de empregos? Não sei.

Minutos depois, o silêncio é quebrado por sons de salto alto vindo pelo corredor. Seria Heloísa? Com a aproximação, percebo que o barulho é formado também por cochichos e por outro par de pés que pisam firmemente no chão. Pensei comigo mesmo que poderia ser outras pessoas, mas não necessariamente Heloísa. Mas me engano, pois segundos depois ela bate a porta. E como já era esperado, ela não está sozinha.

E por um momento tenho a sensação de estar no monte Olimpo, pois bem diante dos meus olhos, eu podia ver um deus grego.



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