20 de Dezembro

38 1 0
                                    

Era o meu primeiro dia de estágio.

No dia anterior havia sido a entrevista, e o chefe da agência de investigações tinha sido enfático ao afirmar que Lucia Pomodoro era uma pessoa extremamente experiente em resolver casos... peculiares. Se era aquilo que eu estava procurando, então com certeza ela era a pessoa a quem eu deveria acompanhar.

Ah, preciso dizer que estava atrás de um trabalho de jornalismo investigativo. No entanto eu queria fazer algo diferente do que já tinha sido visto até então, e foi isso que me levou àquela agência.

E agora eu estava diante de uma figura que eu sequer acreditava existir, e, ao que parecia, Lucia também não tinha imaginado que um dia teria aquele encontro.

Ed, o piloto contratado da agência especialmente para viagens internacionais, havia nos levado até aquele fim de mundo gelado e coberto de neve.

E lá estávamos nós, cara a cara com ele.

O Papai Noel.

Pode parecer que estou brincando com vocês, mas é a mais pura verdade. O Bom Velhinho, diante de nós, em carne e osso (mais carne do que osso, preciso dizer. Sentia que os botões do casaco vermelho iriam voar na minha cara a qualquer momento). E com cara de quem não tinha uma boa noite de sono havia alguns dias, dado o que o estava preocupando.

- E eu ainda me surpreendo com isso - suspirou Lucia, fechando o casaco por causa do frio, ao se deparar com a pessoa que requisitara seus serviços. Apesar da pouca ventilação, a fábrica do Papai Noel tinha o ar tão frio quanto o de fora. - Qual é o problema aqui?

- O problema, minha senhorita, é que não teremos natal este ano - respondeu Noel, passando a mão pela careca brilhosa, como que secando o suor de nervosismo.

Vocês sabiam que ele é careca?

"Mas e aqueles cabelos caídos nos ombros?", vocês me perguntam. Pois é uma peruca colada no gorro. E, além disso, lembro-me que um cheiro forte de álcool emanava daquela barba, e foi assim que descobri o porquê de ele sempre aparecer nas fotos com as bochechas rosadas.

- Como assim "não teremos natal"? - perguntei, ainda desacostumado com a ideia de que aquele senhor existia de verdade e não era mais um qualquer vestido como ele na praça central de um shopping qualquer.

- Não teremos. As pessoas não estão felizes e não se prepararam para o natal, vocês não notaram? Tudo porque o Espírito de Natal desapareceu.

- E o senhor quer que nos o encontremos - constatou Lucia, com a voz monótona. Enquanto eu achava tudo aquilo novo e excitante, ela agia com indiferença, como quem passa cinco litros de leite num caixa de supermercado numa manhã ensolarada de domingo no meio da primavera.

Bom, o chefe da Agência havia me alertado para os acontecimentos incomuns. Talvez aquilo fosse comum até demais.

- Exato - concordou o velho - Ou até mesmo você vai ficar sem presente.

Senti que Lucia refreou um riso de deboche, pois saiu ar pelas narinas, como se ela estivesse se contendo.

- Mas o senhor nunca me deu nenhum presente, protestou ela - Tudo o que eu ganhei nos natais foram meus pais que compraram com o dinheiro conquistado no suor de cada dia de trabalho, durante o ano inteiro: a Bebê Gracinha, que engatinhava sozinha, comia papinha e fazia cocô no peniquinho, que eu ganhei aos cinco anos; o carro da boneca Marbie, que eu ganhei aos nove; o videogame Exodus, junto com o jogo do Light, aquele ornitorrinco que brilha e corre na velocidade da luz, que eu ganhei aos 12...

Este Ano Não Haverá NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora