O início do fim

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Caminhava inquieto o Eddan Soles; O vilão de sua própria história. Injustiçado — amaldiçoado ou enforcado — seja como for, O Sol era amado. Por bem ou por mal. Antes mesmo de ser homem, Eddan era um Soles. E um Soles nunca ascende fora de seu reino. A cascata dourada cintilante cobria-lhe a amargura dos anos, não ultrapassando o peito vazio. Perfeita era a correnteza de tranças contrastando com os fios suavemente ondulados, o guerreiro ideal. No entanto, carregava em intensas orbes esverdeadas o peso do mundo. O nada refletia em seu estonteante olhar ao virar mais um copo do líquido incolor, o traje de luta agora parecia imoral, refletiu.
— Não vê que é loucura, lobo dourado? Virou-se felino e fez pouco caso, oferecendo apenas frieza. O Ekler calou-se.
— Perdeu o juízo de vez, pobre Soles... As guerras não lhe tem feito bem. Em falso consolo, um inferior  outro qualquer o tocou. Eddan odiava o tratamento submisso de Eclesis, o lembrava sua progenitora.
Tagarelavam aos montes ao seu redor no balcão pouco espaçoso da taberna. As paredes repletas de musgo denunciavam a decadência do recinto e as poucas prostitutas confirmavam as suspeitas dele. Havia entrado em uma propriedade de Eclesis.
— Deixem o grande campeão percorrer o destino. Afinal, o que seria do Sol sem um lugar para iluminar? Aos ouvidos dos Eclesis presentes, a voz soou doce, porém desconhecida. Tremeu o estrangeiro por uns instantes, temendo o pior.
— Campeões fazem o próprio destino, minha cara. Não precisam correr atrás de algo ilusório em suas tolas existências. O coração gatuno tremeu ao depositar as moedas solianas na madeira.  O único som audível, além dos pesados passos de Eddan até a saída. Bateu a porta de orvalho branco indiferente; Paradoxical aos seus atos anteriores. Sentou-se no batente de pedra polida, desconfortável, porém necessário, concluiu.
— Me parece a descrição perfeita, herói dourado. Reconheceria aquela voz em qualquer reino. Mentalmente, o tom de Demer não lhe aparentava algum resquício irônico.
— Deveria estar cuidando de suas terras e de suas herdeiras invés de bisbilhotar a cabeça de um pobre Soles. Com sua falsa melancolia, recebera uma risada como resposta.
— Pobreza não lhe convém, Sol. Onde acha que ela pode estar?
— Bela pergunta, Eclesis. A faço há décadas. Agora, ao menos tenho uma chance.
— Eddan, sei que não ouvirá a voz da razão, ou de uma velha aliada. Espero que esteja ciente da decisão de pôr em risco não só a ti, mas todo o Solaris.
— Jamais colocaria meus súditos em tamanho perigo, Demer. Não sou como Clay ou Aya, — sentiu do outro lado as feições endurecerem em desgosto ou desesperança, não soube definir —, mas peço que entenda; Se há chance, uma única chance de encontrá-la, eu a perseguirei até o último dos meus dias. Um suspiro sôfrego anunciou a desistência de Demer Eclesis pela causa, ao passo que Eddan levantou-se e seguiu floresta à dentro.

— Ora, Lunes, pare de se lamentar. Hoje foi um dia bom. Perses tentava acalmá-la diante das circunstâncias. Os fios escuro arroxeados contrastavam a pele estranhamente banhada pelo pouco sol ao se virar. — Um dia bom, Eclesis?! Passar fome não estava na minha lista de bondade hodierna. Murmurou enquanto andava sobre o bosque de Grow, os globos prata queimando em chamas. As coníferas cobriam tudo de preto até onde a luz beijava o verde.
— Para a última herdeira, reclama demais, não acha? A menor virou-se abruptamente ao ouvir tais palavras, os fios intensos como a noite estrelar cobrindo-lhe a face. A boca tremulou ao encará-lo, o doce cabelo soprado pela brisa e os olhos âmbar quase a fizeram desistir. Quase.
— Escute, Perses. Se eu quisesse essa merda de título nunca teria fugido contigo, me ouviu bem? E se também quisesse ser lord de Ert teria permanecido. Somos sobreviventes. Olhou-o de cima a baixo de forma sorrateira, julgando-o com fúria prateada. Apesar de querer a esfolar viva, ele a amava. Devorou os dizeres e deixou a amargura falar mais alto.
— Não somos sobreviventes, Seller... Tomou ambas as bochechas, acariciando a pele febril tão explorada de sua garota. Outra ilusão. A dor em seu íntimo foi tamanha que o herdeiro de Ert retirou a mão, agora fria. Somos tolos! Fazer nações acreditarem que seus herdeiros morreram é lamentável. O emaranhado de confusão em sua frente não se abalou. Não exteriormente. A ausência do frio de Perses foi uma pequena tortura a qual não estava preparada para lidar. Não ainda.
— Lamentável mesmo é ser lastimada por tentar salvar seu próprio povo, Perses de Ert. Nunca os perdoarei pela morte de Sele. Calmamente ele tomou as mãos dela, apaziguando a falta mútua corpórea. Consolou-a silenciosamente.
— A diáspora negra se aproxima, Seller. Trará a destruição de todos à nossa volta. Não quero morrer assim, eu não quero. Sim, o pálido jovem a amava. Mas a vontade de viver superava qualquer sentimento. Ela o entendeu.
— A diáspora é uma lenda. E mesmo que não fosse, como preferia morrer, então? Suplicou em intenso cinismo. A ondulação perceptível apenas a Perses, aquele que a tomou e a amou ao longo dos anos. Seu primeiro e único amigo... e amante.
— Pretendo morrer velho em Solaris, que Eddan me conceda também uma mulher e um filho, para deixar Ert como meu legado. Ao contrário do esperado, as palavras não lhe atingiram como pensou. Se firmou em Eddan Soles... Um nome tão glorioso que parecia explodir aos ouvidos de Seller.
— Pois bem, receio que aqui nos despeçamos, então. Pôs-se em frente a seu fiel escudeiro e ergueu a mão como um gesto final, odiava despedida. O Eclesis não se surpreendeu com a atitude de sua parceira, aceitando o gesto de amor silencioso depositado naquele ser,  foco de tua admiração e lealdade. Não era para sempre.
— Cuidado com os primordiais, Seller. Que Dollor, A Gloriosa, a proteja.
— Que Clynn, O Justo, o proteja. Perses de Ert.
— Não esqueça quem você é, Lua. Eddan virá. Com sorte, colocará algo em sua cabeça além de seus ideais tortos de liberdade. Ela riu desacreditada, ao mesmo que soube em seu ventre o quanto nutria sentimentos pelo homem a qual dizia indefinitivamente adeus.
— Eddan Soles, você diz? O Sol têm outros afazeres além de procurar alguém que não quer ser encontrado, meu caro lord. Singelamente, a última herdeira realiza uma reverência estampando um sorriso de orelha a orelha; O olhar bifurcado denunciando um certo brilho singular. Novamente, ambos sabiam: não passava de uma bela encenação. Perses riu baixo ao perceber a excepcional primordial que sua amiga daria.
— Uma sábia uma vez me disse que liberdade é pouco para o que desejo. Que o que eu quero ainda não tem nome.
Na penumbra gritante da noite de mil luas no reino Waning, vizinho de Lunaris, a solitária herdeira seguiu levando nada mais além de seu próprio ego enraizado em seu coração quebrado, abandonando naquele garoto toda a sua esperança mortal. Era o que acha ao partir em direção a Westes.

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⏰ Última atualização: Jul 03, 2021 ⏰

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