5 - Angustia do Rei

58 9 2
                                    

Trouxeram boas e más notícias. Tanto havia sido perdido que o rei nem tomava aquelas notícias como boas. Enfim, depois de séculos de guerra, um dos principais comandantes das hordas foi derrotado, de uma vez por todas. O terrível Duque Marlak, comandante das hordas aladas havia sido destruído. Para muitos, era o símbolo que havia chegado um momento de virada. O símbolo de que poderiam vencer aquela guerra e expulsar os demônios do mundo. Mas ao mesmo tempo, para o rei, foi mais uma perda. Mais uma derrota. Pois juntamente com tais notícias, veio a notícia do falecimento de seu filho Nöl.

Cantavam canções sobre seu heroísmo, chamavam-no de príncipe da luz. Alusão ao cajado que carregava, o Brilho Escarlate. Ele e o anão Helmut RodgeGrest, grande companheiro de Raastad, faleceram na batalha final contra o próprio duque. Apenas um sobrevivente, Quill, o exterminador de demônios, restou para contar a história. Öfinnel pensava que era ele devia ter avançado naquela batalha. Ele e sua maldita espada. Mas ao invés disso, estava preso ao seu próprio reino, tornando-se um tirano odiado pelos seus súditos. Para ele havia restado apenas um trono amargo.

Muitas de suas noites eram tomadas por pesadelos e visões. Muitas vezes, depois de despertar, ainda estavam ali, ao seu redor, espectros que o atormentavam. Com frequência, via a imagem do General Papoulp o acusando. Chamava-o de assassino. O rei convocara sacerdotes e magos para expulsar os espíritos que o atormentavam, mas nenhum deles conseguia localizá-los. Não ousavam dizer ao rei que estava imaginando coisas, tinham medo de serem mortos.

O espectro de Eliarta também o visitava. Os olhos vibravam com um brilho verde e sobrenatural.

— Você me abandonou! Deixou que ele me matasse. Você nunca me amou.

Öfinnel chorava e tinha raiva. Muitas vezes quebrava objetos de seus aposentos. Seus criados o temiam.

As memórias como sempre, lhe escapavam. Já não cabiam em si tantos anos. Séculos e séculos de existência. E a imortalidade parecia cada vez mais uma maldição. Os homens invejavam os antigos por sua longevidade. Mas o rei os invejava por sua ignorância e vidas curtas. Saber de tanto e viver tanto tempo parecia mesmo algum tipo de castigo. Talvez por isso, os deuses tenham revogado o dom da imortalidade de suas criações. Depois da guerra, nenhum holmös, vetmös ou numös jamais viveria para sempre. Era assim que o rei viu o futuro em suas visões.

Mas o pior da guerra ainda estava por vir. Os heróis da primeira geração, assim como o rei, tornavam-se vilões. Em suas visões viu o elfo Quill, enlouquecido, dizimando cidades que tanto lutou para proteger. Viu pai contra filho. Rei contra os súditos. Era o inferno dos demônios tomando conta do mundo. Num certo sentido, o mundo já era um inferno. Viu quando Quill apontaria sua espada convocando a fúria de uma tempestade de fogo que consumiria a grande Cidade do Sol. Quantos morreriam naquele incêndio? Milhares? Por que?

E depois daquele dia, viu algo pior. Algo que suas visões não alcançavam. Algo que não saberia até que o momento certo chegasse. Uma terrível sombra que pintava a grande lua com sangue. Algo pior que as hordas. O que era assim tão terrível que não se revelava às suas visões? Depois de tanto horror... O que ainda estaria por vir?

Nas ruas, nos anos seguintes, ele viu profetas anunciarem o grande fim. Isso fez o rei se lembrar de sua primeira visão da invasão. Era o fim do mundo? 

Agora os profetas anunciavam: "A grande chama nos consumirá a todos! Bons e maus serão queimados. A chama da purificação está próxima".

Öfinnel, em agonia, rezava aos deuses. Mas eles não respondiam. Em suas noites solitárias o rei falava para a escuridão.

— Eu os decepcionei. Sei que sim. Decepcionei a todos. Láris! Espero que tenha alancado a luz. Será que existe mesmo alguma luz? Já não foi tudo consumido pelas trevas?

E então, novamente veio aquele sussurro. O diabo, que também era conhecido com Arcanael assediava sua mente. Aproximava-se cada vez mais. Öfinnel tinha dificuldades de separar as visões da realidade.

— Os deuses já não respondem, não é rei dos hölmos?

— Vá para o inferno, maldito!

— Eu vivo no inferno, reizinho. Eu sou o inferno. Eu crio novos infernos.

— Eu vou matá-lo, está me ouvindo? Esse é meu destino. Você sabe bem disso!

— Será mesmo? Eu estive pensando... Posso acabar com sua agonia. Eu tenho poder para isso. Apenas diga o que deseja e eu darei a você. É Larissanle? Quer que eu a traga de volta?

— Vá embora, maldito! É tudo culpa sua. Jamais confiaria no próprio diabo!

— Eu vejo que não... Sua esposa ascendeu para luz, não é mesmo? É nisso que acredita... Bem, é verdade. Mas e quanto a outra? Eliarta. Eu a tenho. Sim, foi a mulher que você realmente amou, não é mesmo, Öfinnel? Esta sim... Posso devolvê-la a você.

Öfinnel sentiu uma pontada no peito. Era saudades de sua amante. Ele ainda a desejava, depois de tanto tempo.

— Veja, Öfinnel. Abra sua visão e veja.

Então o rei a viu. Estava numa espécie de cela. Seminua e acorrentada. Seu corpo estava coberto de suor. Uma mão espectral escura penetrou a cela por uma das paredes. Puxou a corrente e disse:

— Acorde, sua vadia!

Ela acordou, a princípio surpresa, mas depois seu rosto se cobriu de raiva.

— Me solte, seu maldito! O que quer de mim?

— Ora, você devia me agradecer por tê-la preservado. Protegi você, pequenina, de um destino pior. Tudo isso, por que existe alguém que ainda se preocupa com você. Alguém que ainda pode salvá-la, se assim desejar.

— Do que está falando?

— Ele nos vê e nos escuta, não é mesmo, reizinho?

— Öfinnel? Me desculpe! Eu não sabia...

— Eliarta! — o grito de Öfinnel ecoou na madrugada quieta do palácio. Ele despertou de seu sono. Não era um sonho. Era uma visão. O que tudo aquilo poderia significar? 

Öfinnel pensou em Raastad. Era o único em que podia confiar. Não falaria sobre aquele assunto com mais ninguém.  



Öfinnel. Rei. Vidente. Guerreiro. Lenda.Onde histórias criam vida. Descubra agora