Além do Natal

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Já fazia mais de um mês que minha irmã tinha partido. Não conseguia me acostumar. Nós estávamos sempre juntos, compartilhávamos todos os segredos, até que ela resolveu ir embora, sem me contar. É claro, ela também não esperava, mas fazer o quê?

Este seria o primeiro Natal que passaríamos sem ela. Ninguém lá em casa estava animado. Normalmente era ela que animava o pessoal, que comprava a decoração e saía enfeitando a casa, que organizava o nosso ‘amigo secreto’ e que fazia com que todos entrássemos no clima natalino.

Era dia 24 de dezembro, próximo à hora da ceia, mas ainda estava no cemitério, sozinho, sobre o túmulo da minha irmã, com flores em mãos. Eu não poderia deixar de passar o natal a seu lado. Tenho certeza que o resto da família entenderia.

*

Eu estava lá, chorando, debruçado sobre seu túmulo quando ouvi um ruído.

– Poxa, é a ceia de Natal e você está aqui chorando no cemitério? Não fique deprê assim não! – era sua voz. Eu nunca me confundiria. Mas como aquilo era possível?

Quando me virei lá estava ela. Era a Aline. Não tinha como errar. Ela só estava um pouco mais pálida do que o normal. Mas, ainda assim, era minha irmã.

– O q-q-que você está fazendo aí? – perguntei assustado. Com certeza estava ficando louco. Sentia tanta falta dela que comecei a imaginar coisas.

– Ué, você queria passar a ceia de Natal aqui comigo. Eu tinha que aparecer! Você não tem noção como estou sofrendo te vendo desse jeito!

Não sabia o que responder. Eu de fato estava louco. Minha irmã, que já havia morrido, estava lá...na minha frente, conversando comigo. E eu, tonto, estava respondendo. Mas sentia tanta falta dela que nem parei para pensar. Fiquei tão feliz de vê-la novamente que me levantei e fui correndo abraçá-la. 

 – Maninha! Há quanto tempo! Você não tem ideia de como senti sua falta! – sorri. Quando a abracei, ela retribuiu. E posso garantir que a sentia como se nada de errado estivesse acontecido e ela só tivesse viajado por um tempo. – Você está bem? Como você apareceu aqui? Quer ajuda com alguma coisa? – continuei.

 – Fica tranquilo, Gu. Eu só queria te animar. A vida aqui é muito tranquila, já conheci muita gente... – ela me cutucou e deu um sorrisinho – Sabia que o Ayrton Senna está enterrado neste cemitério? Ele é super simpático, nunca imaginei! E eu, que nem gostava de corrida enquanto vivia, agora sou craque no assunto!

 Foi então que caiu a ficha o que ela estava falando. Corrida? Minha irmã tinha pirado de vez. Eu precisava levar Aline para casa e mostrar para os meus pais que estava tudo bem, e que só tínhamos nos enganado. Foi então que, ao olhar para trás, vi Ayrton Senna. O quê?! Ele já estava morto! Eu vi a corrida em que ele se acidentou. E, mesmo sendo criança quando aconteceu, me lembro nos mínimos detalhes. Chorei feito um bobo.

 – Line, como assim? Como eu estou te vendo se você já morreu? Não faz nenhum sentido. E-e-eu estou louco? – perguntei temendo pela resposta.

 Ela sorriu e me levantou pelo braço. Foi então que percebi que estávamos voando! Fomos até a cobertura de um prédio que ficava lá perto. A paisagem era linda. Tinha vista para o cemitério, uma favela ao fundo e, mais além, uns prédios altíssimos. Fiquei imaginando se alguém morava ali. 

 – Já que você quer comemorar o Natal comigo, vou te dar um ótimo Natal! O melhor de todos! – ela sorriu. – E depois, como presente, te conto um segredo...pode ser?

 – É claro! Mas eu vou cobrar o presente, hein! – respondi prontamente.

*

Aline desceu do prédio em direção ao cemitério e me deixou lá sozinho. A porta que dava para a cobertura estava aberta; não imaginavam que alguém chegaria por cima para invadir o apartamento, né? O apartamento estava vazio, exceto por umas caixas reunidas num canto. Alguém se mudaria para lá em breve, imaginei. 

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