6 - Prenúncio da Sombra

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Öfinnel seguiu atormentado por longos anos. Após mais batalhas as profecias pareciam se concretizar. Um fogo terrível e sem fim caminhava pela terra, destruindo cidade após cidade, não diferindo entre oponentes humanos, élficos ou hordas demoníacas. O grande fogo destruía tudo em seu caminho e muitos diziam que era o antigo herói Quill, o responsável, que ele teria vendido sua alma aos demônios. Öfinnel tinha certeza disso. Ele havia previsto.

Nestes dias, Raastad veio visitar o rei em seu palácio. Não se encontravam há tempos. Não havia luxo nas câmaras. Ainda era uma palácio parcialmente em ruínas. Havia poeira e teias de aranha. No lugar dos belos vitrais que um dia cobriram as enormes janelas palacianas, restos de madeiras, sobrepostas e ajuntadas para cumprir o propósito de deixar as chuvas de fora, assim como possíveis invasores demoníacos. Era um ambiente triste e sombrio e o rei não fazia questão de que fosse consertado. Não queria criados perto de si. E os criados haviam se afastado, assustados com as variações de humor do monarca. Mantinha-se como rei apenas para garantir a obediência e união dos exércitos.

Öfinnel usava uma pequena lixa com a qual lustrava sua mão metálica. Estava sentado na cabeceira da mesa. O ambiente agradava Raastad. A mesa de pedra na qual faziam a refeição estava toda trincada e faltavam alguns pedaços. Tomavam uma sopa de cogumelos e raízes. Iam longe os tempos nos quais havia algo melhor para comer.

Raastad, despido de sua indumentária de general, tomava a sopa mecanicamente. Comparado ao que fora em outros tempos, parecia uma planta murcha. Sua postura, que impressionava outrora, era desleixada. Apoiava o cotovelo sobre a mesa a fim de suportar o peso da cabeça com o punho cerrado. Seu rosto estava pálido e sem vida. Também estava arrasado pela guerra.

– Então foi mesmo verdade. A grande chama era mesmo seu discípulo, Quill...

Raastad assentiu com tristeza. Dizer algo seria esforço demais.

– E Nelfária?

– A capital resiste, mas meu lar em Talbos foi arruinado. Eu ajudei a construir aquela cidade e agora, não passa de ruínas.

Apontei ao meu redor e disse – Eu sei bem o que é isso.

Ele compreendeu. De fato, tinham muito em comum. O rei já vira Raastad à beira da morte, com sérios ferimentos de batalha, mas vê-lo moralmente derrotado, causava pior impressão.

O rei contou a Raastad sobre as visões do inferno. Sobre o assédio que recebeu do líder das hordas. E tudo mais que soubera em seus sonhos e visões. Raastad escutava tudo com expressão grave no rosto. Mas por fim, Öfinnel concluiu.

— Eu pensei comigo mesmo. Se o tal diabo, estivesse forte, por que fazer ameaças e me tentar? Concluí que ele já não conseguiria vir até aqui para tomar a espada de mim. Era isso que ele queria. Ele também sabe, assim como eu vi, que a espada pode destruí-lo. Depois que o fogo de Quill veio, ele parou de me visitar. Acho que agora ele está mais enfraquecido do que nunca.

— Compreendo. Fico contente que você tenha resistido. Quanto a mim, não sei... Queria... — e tomou coragem para perguntar – Sabe por que vim até você, Öfinnel?

– Suponho que sim. Veio para saber de minhas impressões sobre o mau agouro da sombra?

– Também por isso, mas não. A razão principal é... por que tenho suspeitas perturbadoras... sobre...

– Vamos Raastad, não há mais nada para me impressionar, você sabe.

– Não é algo que o impressionaria, em absoluto... Mas, para mim, é um assunto difícil.

Öfinnel aguardou dando tempo para Raastad. Sua expressão era sofrida e hesitou umas duas vezes antes de falar. – É sobre traição. Traição onde menos esperava encontrar... – ele respirou fundo e prosseguiu – Gente do meu povo, a antítese completa de toda essa guerra e dos demônios, como pode? Como poderia ser? Que minha gente possa ter pactuado com demônios?

Öfinnel. Rei. Vidente. Guerreiro. Lenda.Onde histórias criam vida. Descubra agora