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Muitos poderiam não achar apropriado que uma biografia fosse organizada e convertida num romance por um familiar. Pensariam que a imparcialidade seria fortemente comprometida. Sinto muito quanto a isso, mas neste caso, devido às possibilidades, fui eu mesmo o melhor indicado para esta árdua tarefa.
Depois de milenares eras de trabalho como historiador, sei que não há um ser vivente entre os povos humanos com minha capacidade, conhecimento e com acesso a milhares de pergaminhos reunidos das ruínas das extintas civilizações da Era Dourada. O trabalho que idealizei para minha vida: organizar o conhecimento e história da antiguidade e da guerra que quase apagou tudo, infelizmente ficará incompleto.
O dom da vida eterna está a me abandonar. Sinto a dor e o peso do esquecimento sufocando-me. A dor de saber que muito ficará perdido para as gerações futuras. O tempo está cada vez mais curto, minhas mãos trêmulas e a fadiga é aterradora. A vida eterna, promessa de outra era, abandona aqueles como eu, outrora abençoados pelos poderes divinos.
Uma era de decadência iniciou-se após a grande guerra, mas também, uma era de renascimento e do surgimento de novas civilizações. Da antiguidade, restarão documentos e canções, fragmentos desconexos, uma equação sem solução. Sinto o toque gelado da morte se aproximando e de todo o trabalho a fazer, sinto o dever de contar e reconstituir esta história. Um pouco da história de meu povo e meus ancestrais e de um deles, em particular.
Felizmente, diários, cartas e diversos documentos históricos, estão à minha disposição, mas muito também se perdeu na maior das guerras. Mas principalmente, foi possível reconstruir este relato, devido a um fabuloso artefato chamado Orbe de Memórias, que recebi como presente do feiticeiro Midrakus.
Meu triavô, Öfinnel Prístimos, viveu por mais de 12 milênios. Durante sua longa vida, principalmente, nos milênios finais, tinha dificuldades de recordar-se de tantos acontecimentos, lugares, nomes e pessoas. O orbe encrustado no anel, criado pelos elfos, foi um presente de seu amigo Raastad, para ajuda-lo a registrar memórias e melhor se lembrar de sua vida.
Sua trajetória de vida e sacrifício foram apagados da existência, como se tudo aquilo pelo que passou. Seu papel de protagonista na luta contra os demônios quase foi esquecido. As lendas que restaram tratam de fragmentos desta história. E minha tarefa de historiador de uma história que se converte em estórias e canções ainda vai longe. Pois é árduo o trabalho do historiador de um passado destruído pela lamentável perda de incontáveis bibliotecas. Recontar a história é minha tarefa.
Almon Prístimos
14.0692
Öfinnel despertou sentindo forte enjoo. Sentia-se pesado. Pensou que sua visão estivesse enevoada, mas na verdade, estava em um lugar cinzento onde as cores possuíam fracos tons pastéis. O chão era rochoso, mas havia poças de lodo e coisas malcheirosas. Caminhou arrastando as pernas e pisando em algumas coisas estranhas, mas não tardou a perceber que pisava em pedaços de corpos.
Estaria morto? Sua mente não pensava claramente. Havia corpos inteiros também, alguns inertes, outros gemiam e se lamentavam. Estava numa enorme cratera.
Queria subir. Aquele buraco era sufocante...
Subiu por um longo tempo até que chegou até o topo. A névoa se dissipou quando chegou à superfície. Pode ver, ao longe, uma planície seca de pedras amareladas e avermelhadas. Um enorme deserto. Avistou aves voando ao longe. Rumou naquela direção. Sua mente estava confusa. Não se lembrava de onde vinha e nem para onde ia. Observava as aves enquanto caminhava por um tempo indeterminado.
— Que pássaros mais esquisitos — ele murmurou.
Havia outros vagantes como ele, mas por algum motivo, Öfinnel os ignorava assim como eles também parecia não o ver. Continuou e continuou por um longo tempo.
— Meu anel. Onde está meu anel?
Ele olhou para a mão em busca do artefato que ajudava a recobrar as memórias. Notou então que a pele de sua mão estava esquisita. Havia rachaduras como se fosse feita de pedra. Estava suja e cinzenta. Ele coçou o dorso da mão, mas não se espantou ao ver pedaços da pele esfarelando e caindo. Não estranhou o fato de ter as duas mãos e não apenas uma.
Agora havia chegado mais próximos daqueles pássaros e pode vê-los claramente. Não eram aves.
— São demônios.
Ele fitou-os por um longo tempo. E como um copo que se enchia com o gotejar lento de uma torneira defeituosa, sua mente recebia de volta as memórias. Sua cidade, sua esposa, seus filhos, netos, bisnetos, trinetos, etc, a guerra, Merrin, Eliarta, Raastad, os Deuses e depois de tudo, o confronto final.
Com suas memórias de volta, passou e enxergar o que estava ao seu redor com outros olhos. Estava no inferno. Era uma dimensão estranha, havia muitos estímulos visuais e outras sensações que não faziam sentido. Ele fechou os olhos provocando o transe. E as visões vieram. As dimensões do abismo eram gigantescas. Ele teve certeza. Em algum lugar estavam os deuses e também, muitos de seus súditos e inimigos, todos presos. Merrin estava ali. Vários demônios que confrontou na sua terra... e sim!
Eliarta.
Ela também estava ali. Pensou em Larissanle, mas nada captou. Era de se supor que após sua morte sua alma obtivera ascensão. Mas não ele e Eliarta.
— Nós caímos. — a lágrima que veio aos olhos ardeu e evaporou. As dores eram mais intensas e profundas naquela terra estranha. Balançou a cabeça e seguiu adiante.
Soube que havia algo a fazer. Precisava encontrar Eliarta. E também os deuses. Se eles haviam planejado tudo aquilo, quais seriam seus planos?
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Öfinnel. Rei. Vidente. Guerreiro. Lenda.
FantasyÖfinnel foi o último rei de Vellistrë antes que fosse destruída pelas hordas de demônios invasores. Determinado, forte e imortal. Está vivo há incontáveis gerações e sua memória vai se perdendo aos poucos. Fortes ondas do destino impelem suas açõe...