Capítulo 1

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PARTE UM

RUMO


Em meio às sombras do beco, algo se move.

Há uma garota escondida na escuridão. A luz do carro na rua adiante é a única coisa que a denuncia, iluminando as paredes do beco e as gotas da chuva, que cai pesada. Sua roupa é negra e uma tinta da mesma cor tinge sua pele de escuro. Os cabelos descem como cascatas dos dois lados de sua cabeça. Ela se vira para mim e se descola da parede como que nascida da noite.

Um ponto vermelho dança no chão aos seus pés.

A mira de uma arma.

Ela movimenta a pistola preto fosca e o ponto vermelho para no meio da minha testa. Os dedos da garota sobre o gatilho avisam que, se fugir, vou morrer. Projetando-se da boca da arma, um silenciador.

Levanto os olhos para encarar os dela, mas, onde eles deveriam estar, há apenas escuridão.

Lentes completamente negras tapam as íris, as pupilas. Encaro minha própria imagem no reflexo, como se houvesse apenas vazio por trás dela. Ouço um ruído e noto um ponto eletrônico na orelha da garota, escondendo-se no entremeio de seus lisos cabelos pretos.

O indicador de sua outra mão, a direita, paira sobre seus lábios.

— Quieto.

Abro a boca, mas ela me impede de falar.

— Quieto, ou eu estouro suas bolas.

O cano da arma desce.

Observo o homem que eu estava prestes a roubar continuando seu caminho pelo beco, cada vez mais longe. Aperto as mãos uma contra a outra. A pistola permanece onde está por mais alguns segundos; os olhos da garota ficam cravados nos meus, me impedindo de mover. Então, a arma volta ao coldre e ela se vira, pisando com força em poças e respingando água suja.

Espero os dois virarem a curva entre o beco e a rua.

Então, começo a correr.

Levanto o braço para me proteger da chuva e atravesso o beco de um lado a outro, passando por baixo de uma marquise iluminada e deixando o carro e suas luzes para trás. Quando avisto os dois, à frente, o homem também corre, mas tropeça e cai. Seu rosto raspa no chão de concreto.

Me aproximo em silêncio e incógnito, apesar do aviso da garota.

Ela engatilha a arma e a aponta para o meio da cabeça do meu alvo, o homem caído.

Pare, pare! O que está fazendo? — Ele grita.

O gatilho está prestes a ser pressionado. O antebraço esquerdo dela brilha com uma luz branca.

— Você sabe que isso é proibido — diz ele, quase que numa provocação. Um sorriso surge em seus lábios, vermelho de sangue por causa da queda. — Ainda tenho coisas a fazer antes de ter o arco fechado e você sabe muito bem o que vai acontecer, caso faça isso.

Ela continua onde está.

— Virão atrás de você, assim como mandaram você atrás de mim. — Diz ele, as mãos abaixadas, uma delas procurando por alguma coisa junto de sua cintura.

— Eu vim por conta própria.

O homem gira a perna junto dos tornozelos dela e a joga no chão.

A arma dispara para o ar.

Enquanto a garota tenta se levantar, o homem tira uma faca de lâmina avermelhada de dentro da bainha, escondida na calça, e sobe na garota. A mão direita segura a base de seu pescoço e a esquerda encosta o gume na pele dela. A mão esquerda dela, por sua vez, se debate, descontrolada, tentando alcançar a pistola, a centímetros da ponta de seus dedos.

Deuses e FerasOnde histórias criam vida. Descubra agora