Na quinta-feira com o calor típico de dezembro, lá pelas dez da manhã, Veronica está sentada no chão da cozinha, lendo um de seus romances preferidos. Ela é apenas mais uma daquelas esposas que, após o almoço feito e a casa totalmente limpa, não encontra mais nada para fazer o dia inteiro.
Não tem uma vida ruim, mora em uma casa de três quartos e um quintal enorme, no plano diretor sul de Palmas. Seu marido tem um bom trabalho que o ocupa o dia todo, ganha uma quantia boa o suficiente para manter sua vida no confortável padrão da classe média sem que ela precisasse voltar a seu emprego maçante de professora.
Ela também não pode reclamar de seus dois filhos, frutos do primeiro casamento, que, depois de uma árdua luta para cria-los como "gente", cresceram e agora estão tomando seu próprio rumo. Valéria, a filha mais velha, faz faculdade de direito em outro estado, trazendo um grande orgulho a toda família. E Augusto, o caçula da família, terminará ensino médio em poucas semanas, a quem ela enche o peito para falar aos quatro ventos que é um menino exemplar e estudioso que nunca deu trabalho.
Sentada com as costas apoiadas na parede alaranjada (cor escolhida com cuidado por uma amiga decoradora) sente um leve odor de coisa estragada. Estranho, o lixo da cozinha havia sido esvaziado a pouco tempo. Então, ela guarda o livro em cima da geladeira e começa a procurar a origem do mau cheiro. A pia está limpa, a geladeira impecável e os armários livres de qualquer alimento estragado. Ah, que ultrajante! Ela se esforça tanto todos os dias para que manter sua casa limpa que se sente revoltada por não conseguir achar a origem do problema.
Pois bem, com uma determinação de uma fiel dona de casa, ela resolve ir até a área do fundo para pegar a vassoura junto com todo material de limpeza. Podia ser o chão, sujo por algum resquício de comida. E, na metade do pequeno corredor que liga a cozinha até a saída dos fundos, em frente ao antigo quarto de Valéria, o fedor se intensifica.
Bem, Valéria e o namorado poderiam ter pedido pizza no meio da noite do último feriado, o que não era incomum, e casualmente esquecido de jogar os restos no lixo. Jovens são tão descuidados. Claro que isso significa que Verônica tinha uma parcela de culpa tendo negligenciado o lixo na faxina diária. Que vergonha, dona Verônica. Duas semanas e você não viu a comida estragada, achando que estava fazendo tudo certinho. O que seu marido vai pensar? Que ela passa o dia todo fazendo nada, enquanto ele dá o sangue para pagar as contas.
Retorna triste a cozinha, atrás da porta pega a chave do quarto e anda descalça pela cerâmica que depois dessa não parecia tão limpa assim. Se ela não tivesse recusado a ideia de seu marido de ter a ajuda de uma empregada, isso não teria acontecido nem em um milhão de anos. Mas não, ela bateu o pé, convicta de que poderia dar conta sozinha. E ela deveria ter dado conta.
Gira a maçaneta da porta como quem abre um sarcófago empoeirado. E não tão diferente de um explorador de ruínas, inicialmente Verônica não encontra o que esperava. Não há sinal de caixa, nem da pizza. Tudo está em seu devido lugar, do jeito que ela deixou na última limpeza, exceto pela cama de casal desforrada e a colcha bordada que normalmente a cobria no chão. Mesmo assim, o mau cheiro aumenta ainda mais.
A mulher olha embaixo da cama, mas encontra nada além de embalagens vazias de preservativos. Um arrepio corre por sua espinha. Será que seu esposo a traía na sua própria casa, bem abaixo do seu nariz? Na sua própria casa? Ele parecia estranho e cansado demais nas últimas semanas. Dava sempre mesma a desculpa, a empresa estava em uma fase de readaptação a nova diretoria. Será mesmo verdade? Então, ele esteve esse tempo todo se encontrando com a amante, sem o menor pudor, bem abaixo do nariz da esposa. E para passar do limite de petulância, deixa algo apodrecer só para esfregar na cara da pobre Verônica que ela não era o suficiente.
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Por Detrás da Porta
RomanceTudo limpo nos mínimos detalhes, a vida segue em perfeita calma. Mas há um erro, um pequeno erro que pode sufocar o agradável frescor da calma. [POSTADO NO NYAH]