PARTE I
Capitulo 1
"Abyssus abyssuin invocat", um abismo atrai o outro, quando li essa frase pela primeira vez tinha 13 anos de idade, nunca uma frase combinou tanto com uma pessoa como essa combinou comigo.
Mesmo a pessoa mais feliz poderá ficar triste ao final de um dia, sendo assim ninguém é perfeito, todos nós temos um dia ruim, temos os nossos pesadelos e medos, e um dia ensolarado sempre termina em uma noite escura.
~~♥~~Consigo ver mesmo a uma certa distância o grande prédio de tijolo vermelho rodeado de árvores, que nessa época do ano está com as folhagens secas, o que torna o colégio de Beckervill, o único aliás da cidade, bem aterrorizante a noite, mas a luz do dia é mais um colégio de ensino médio de uma cidade pequena cheia de alunos desesperados para sair da cidade e professores frustrados por ainda continuar no mesmo lugar deste que nasceu.
Dirijo até o estacionamento que fica de frente com a entrada do colégio, que é uma grande porta de madeira, parecida com as dos castelos medievais, e no alto do prédio maior um sino que nunca vi tocar, que parece uma torre de igreja antiga, e junto dele pavilhões de salas que forma um U, no centro do pátio há uma estátua do fundador do colégio que o mesmo da cidade, Arnold Becker, um homem gorducho que se mudou para essas terras com a família a mais de cem anos e transformou esse lugar tão escondido do resto do mundo que só a pouco tempo foi incluído no mapa. Todos aqui se conhecem, o que torna a convivência quase insuportável. Paro o carro no local de sempre, perto da entrada.
- Ah, que bom que você chegou - grita Rose da calçada do estacionamento quando paro com o carro, ela se inclina em direção a janela e acena com as mãos freneticamente.
Roselie é uma típica estudante nerd, mas que as vezes parece viver em outro mundo, usa roupas compridas e nunca usa decote ou que mostre demais o corpo, cabelo avermelhados e cacheados que em tempos bons fica bonito, mas em dias como esse, úmido, parece que é o ninho de algum pássaro, olhos verdes, o que são escondidos por grossos óculos de grau, quase nunca usa maquiagem e também é a filha do delegado da cidade.
- Tenho novidades quentes nesse semestre - diz ela saltitante.
Todo primeiro dia de aula Rose é encarregada de me deixar informada de tudo o que aconteceu nas férias, porque eu sempre viajo e sempre chego mais tarde nesse dia, já que as aulas sempre demoram mais para começar.
- Segura isso pra mim, Rose - entrego a ela meu caderno enquanto pego minha bolsa dentro do carro - Então? Pode começar.
- Ah, Mary Carter está loira, simplesmente horrível, Julie Johnson e Adam Filds estão juntos, ah, a mãe da Kate descobriu o namoro dela com o filho do açougueiro, Victor.
- Que interessante - digo sem emoção alguma.
- Ah, tem o novo faxineiro, um gato.
- Você não vai dar em cima do faxineiro, vai?
- Eu...
- Oi meninas? Olhe o que eu trouxe, Melanie - grita Karen ao se aproximar da gente.
- Oh! Karen, como soube? - digo pegando o copo plástico tamanho médio de café com creme de baunilha do restaurante da Vovó Cindy.
- Como você não apareceu na Vovó Cindy, imaginei que quisesse que eu trouxesse pra você -responde o óbvio.
Karen é uma típica adolescente popular e descolada, loira, alta e magra, cabelo curto estilo Chanel moderno, para ela não tem tempo ruim, sempre animada e responsável. Filha de jornalistas, está sempre fazendo tudo para me agradar, mas não é por isso que é a minha melhor amiga, a amizade vem deste muito pequena.
- Nossa, amei! - ela aponta para o pingente de beija-flor pendurado na corrente em meu pescoço.
- Obrigada, comprei na viagem.
- Deve ser valioso - comenta Rose.
- Sim, é de grande valor.
- E como foi a viagem? - pergunta Karen.
- Sol, mar, praia com areia quentinha, salva-vidas sarados, bronzeados e sem camisa esses tipos de coisas.
- Você não está bronzeada - observa Rose.
- Sou muito branca pra me bronzear, por isso uso algo chamado protetor solar - rio no final pra não deixa o clima tenso.
- Você tem tanta sorte, Mel - diz Rose, começamos a entrar pela grande porta de madeira.
- É, eu tenho, mas continuem, as novidades? - tomo outro gole do café quente com creme e agradeço mentalmente a Karen por ter me trazido o meu café da manhã.
- Ah, Amanda Bridge vai se casar com o namorado, tem rumores que ela esteja gravida. Durante as férias o casal estranho Beth e Carl terminaram e a Mary e o Tom terminaram também, acho que foi por isso que ela ficou loira.
- Aham - tomo outro gole do café.
- Eu peguei seu horário de aula também.
- Ok! Agora qual a notícia quente? Sei que você sempre deixa o melhor para o final - Rose e Karen se olham.
- Não se fala em outra coisa- começa Karen.
-Tem um novato, chegou na cidade semana passada- terminou Rose.
- Um novato em Beckervill? - digo pasma - onde os únicos alunos novatos são os filhos de ex alunos.
- Ninguém sabe de onde ele veio ou onde está morando agora. Parece que ele é um fantasma.
- Pare de ver tantos filmes, Rose, está mexendo com a sua cabecinha. Agora como ele é? Até nos mínimos detalhes.
- Sabem os vilões de filmes? Aqueles que usam sempre preto, olhar misterioso, expressão sempre seria, do tipo perigoso e eletrizante, que te mete em encrenca só de olhar pra ele e que a qualquer momento vai te matar, mas você não consegue ficar longe - ela faz caretas enquanto fala para dar ênfase nas características assustadoras do novato
- Parece tentador - digo
-Alto, moreno meio latino, cabelo perfeitamente bagunçado, eu já falei que ele parece perigoso? Porque ele parece. Não fala com ninguém e ninguém se aproxima dele, a não ser a Mary que tentou, mas ele a ignorou completamente e saiu sem falar nada, nem olhou pra ela - Rose tem o costume de falar muito rápido o que faz com que pareça que está tendo um ataque.
- Alguém tem que descobrir tudo sobre ele, e esse alguém só pode ser você, Rose.
- Eu vou descobrir - diz Rose animada.
-Ok! Então, vocês não falaram do Bill, como ele ficou depois que eu terminei com ele no último dia de aula?
- Você sabe - começou Karen- Arrasado, ele ainda te ama, até tentou ficar com a Mary, mas acho que não deu certo.
- Quando eu comecei a namorar com ele eu avisei para não se apaixonar por mim - falo indiferente.
Bill e eu namoramos por um ano, ele é capitão do time de futebol, loiro, olhos verdes, atencioso, carinhoso e romântico, estava sempre pronto pra fazer as minhas vontades, o sonho de qualquer garota, talvez eu não goste dos mocinhos e prefira os vilões. E quando vejo o vilão no estilo bad boy encostado na estátua horrorosa de Arnold Becker, fumando um cigarro, o que é totalmente contra as regras do colégio, o que ele não estava nem ai, é difícil não olhar.
- Ali está ele, o novato - se animou Rose - Diz se não é um gato.
- Uau! É mais do que um gato, da onde ele veio mesmo? Do paraíso? - Falo.
- Não sei se foi de lá, mas se foi me avisa onde é que vou buscar mais um pra mim ou melhor, eu me mudo para lá imediatamente, nem preciso falar com os meus pais - diz Karen.
- Existe algum colégio chamado Paraiso? - diz ingenuamente Rose.
- Não foi isso que eu quis disser, Rose - explica Karen.
- Deixa pra lá -digo- Rose eu quero a ficha completa, nome, idade, telefone, relacionamento, interesses e o mais importante, o por que dele está nesse fim de mundo.
- Bem, o nome dele é Jamie Smith, um nome bem comum, a idade deve ter 18 a 19 anos, eu nunca vi ele com celular ou com outra pessoa, acho que não tem nenhum dos dois e o resto eu vou descobrir - diz Rose.
- Enquanto isso, eu vou lá dar as boas-vindas ao estilo de Melanie Stancy - Entrego o copo de café vazio a Rose.
Caminho na direção do meu alvo balançando um pouco o cabelo levemente cacheado, negro e longo, usando minha saia rosa bebê plissada acima do joelho, e um casaquinho branco, talvez não tão selvagem e atraente para um cara como ele que está vestindo jaqueta preta e jeans surrado preto tão assustador e deliciosamente atraente. Balanço o cabelo outra vez, sabia que estava estonteante, dou meu sorriso sedutor ao me aproximar dele e ele sai, isso mesmo sai, passa por mim sem nem me olhar, como se eu não estivesse indo até ele.
- Eu acho que ele não te viu- dizia Rose quando entramos na sala de aula.
- Eu estava fuzilando ele com os olhos, é claro que ele me viu e fez aquilo de proposito e não vai ficar assim, eu não sou invisível e ninguém vai chegar na minha cidade e me ignorar - falo furiosa- Eu sempre consigo o que quero e o que eu quero agora é tudo, absolutamente tudo sobre ele e quero ainda hoje.
- Tudo bem, eu vou pesquisar e te passo tudo hoje à noite na fogueira.- diz Rose, abrindo um caderno e escrevendo freneticamente.
- Ah, tinha me esquecido completamente da fogueira- digo colocando a mão na testa.
- Não se preocupe - diz Karen - nós cuidamos de tudo, vai ter bebida e música alta, vai ser no mesmo lugar do ano passado, longe o suficiente para ninguém nós ouvir e perto o suficiente para sair correndo caso seja preciso.
- É por isso que eu amo vocês.
Depois da aula vou até a sala da diretora, Margareth Stancy é a minha mãe e diretora do colégio Beckervill, mais diretora do que mãe, e como não a vejo deste o dia que viajei, o que deve ser a três semanas e meia, mas como sempre está ocupada, não é de se estranhar que não nós víssemos.
- Ela tem muita coisa para fazer- diz Kátia, a secretaria particular da minha mãe e coordenador do colégio, uma senhora muito simpática- fale com ela quando chegar em casa.
Como se em casa ela fosse ter tempo, como já estou lá não ia perder tempo.
- Kátia quem é o aluno novo, Jamie Smith, ele tem parentes aqui? - pergunto sem mostrar muito interesse.
- Eu não sei muito sobre ele, só que veio de outra cidade e está morando na pensão do Vale, pelo menos foi o endereço que deu na matricula, mas ainda não trouxe o restante dos documentos nem o histórico escolar da antiga escola.
- Eu posso ver os documentos que ele já trouxe? -pergunto tentando parecer desinteressada.
- Oh, claro que não, Melanie.
- Ele veio com os pais? Me responda pelo menos essa.
- Não, nos documentos diz que é órfão.
- Certamente deve ter 18 ou 19 anos de idade, por favor? - junto as mãos em gesto de oração.
- 18 anos, agora vai para casa - dei a volta na mesa e lhe dei um beijo na bochecha - Hei, Mel -diz quando estou na porta- fique longe desse garoto, ele não parece boa pessoa.
Kátia falaria assim de qualquer garoto, já que Bill é neto dela e que não aceitou muito bem o fim do nosso namoro. Bill e eu crescemos juntos, eu me tornei a garota mais popular e desejada do colégio e ele a mesma coisa, era obvio que as pessoas nós visse como o casal perfeito e que imaginassem o nosso futuro, mas não era o que eu queria, eu não quero saber como será daqui a cinco anos, e provavelmente não será aqui nessa cidade, Bill sempre amou esse lugar nunca sairá daqui, o nosso destino não é ficarmos juntos pelo menos é isso que eu espero, não que ele seja uma má pessoa, acho que não existe pessoa melhor que ele e seria perfeito uma vida inteira ao seu lado, mas não quero uma vida certinha, com rotina, quero emoção e imperfeições, quero poder correr sem ter ninguém me impedindo, quero uma vida imprevisível,
- Mel? Mel! -Ouço alguém gritar atrás de mim no corredor, não preciso me virar para saber quem é.
- Bill - ele vem correndo atrás de mim.
- Como você está? Como foi a viagem? - diz um pouco ofegante por causa da corrida.
- Eu estou ótima e a viagem foi maravilhosa - ele continua lindo, sempre tão sereno e confiante, tão perfeito. Tento não fixar os olhos na boca dele caso contrário acabaria nela.
- Que bom, eu fiquei preocupado, você não retornou as minha ligações e eu não tinha notícias suas deste que você terminou comigo no mesmo lugar que eu te pedi em namorado um ano depois - diz um pouco constrangido.
- Bill, olha, eu não...
- Tudo bem, eu peço desculpas, não quero ser um ex namorado chato - ele coça a parte de trás cabeça, como sempre faz quando fica nervoso - Só quero continuar sendo seu amigo, como era antes quando a gente conversava e contava tudo um para o outro.
- Não dá pra ser amigo de alguém com quem você dormia junto.
- E era tão ruim?
- Ao contrário - digo com vergonha - e é por isso que é difícil.
- Mas podemos tentar - ele se aproxima e toca meu rosto com as pontas dos dedos.
- Não, porque você não quer ser só meu amigo - tiro sua mão do meu rosto, mas não de forma agressiva. - Você quer voltar a ser meu namorado, mas acabou.
- É por isso que eu amo você, a sua sinceridade - mal sabe ele que eu nunca o amei, não da forma que ele queria, só aceitei namorar com ele porque era o que qualquer uma faria no meu lugar.
- Viu, não dá pra ser como antes.
- Ok! Não vou forçar a barra, mas você quer ir almoçar comigo? Calma a minha vó também vai, estou esperando ela para irmos comer na Vovó Cindy.
- Obrigada pelo convite, mas vou comer em casa, ainda tenho que desfazer as malas e ainda tem a fogueira noite, muitas coisas para fazer.
- Então te vejo lá então - vejo ele correr de volta de onde veio, é melhor assim, não vale a pena perder tempo com algo que você sabe que nunca dará certo.~~♥~~
Quando chego em casa ela está vazia como sempre, esse é o meu lar deste o dia que nasci, uma casa grande demais para só duas pessoas, mas nem sempre foi assim, deve uma época que era impossível estar aqui e ficar sozinha, agora é um monte de cômodos cheio de moveis. Na parte de baixo está a sala de visita, que quase nunca recebe alguém, a sala de reunião onde minha mãe passa a maior parte do tempo quando não está no colégio e a cozinha que ninguém usa pra cozinhar, no máximo o micro-ondas pra esquentas comida, mas antes era o local pra reunir a família, mas o que sobrou dela não sabe cozinhar. A muito tempo não me sinto em casa ou que tenho um lar.
Abro a geladeira e retiro uma lasanha congelada, normalmente não como massa, mas como só estou com o café que Karen me deu cedo e já são quase uma da tarde, como sem culpa, pelo menos sem muita culpa, me sento na bancada da cozinha para devorar a lasanha, o gosto não é muito bom, mas o suco de laranja ajuda a engolir, normalmente eu compro a comida, mas como acabei de chegar de viagem a geladeira, e o resto da cozinha está quase vazia. Depois de comer, lavo, seco e guardo tudo que usei, as coisas devem estar em ordem, arrumada e limpa quando minha mãe chegar.
Ligo a TV e desligo antes que apareça alguma imagem. Eu tinha muito o que fazer e ao mesmo tempo nada, a casa está vazia e silenciosa, permaneço sentada no sofá segurando os joelhos dobrados junto ao peito como se aquilo pudesse me deixar segura, a alguns anos a casa era cheia, pelo menos mais que agora, e barulhenta. A única coisa que poderia fazer agora era dormir, e é o que eu faço, acordo tempo o suficiente para me arrumar para fogueira.
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Feche Os Olhos
RomanceTudo o que Melanie Stancy queria era terminar o ensino médio e sair daquela cidade que só trouxe tristeza e começar uma nova vida bem longe dali. Porém, o último ano que parecia estar sob o seu total controle vira de cabeça para baixo, quando um gar...