Capítulo 25

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- Lucas? Que horas são?

Sua voz está grossa e lenta, por causa do sono. Fiquei tão empolgado que nem notei as horas.

- De acordo com meu relógio são...6/2 e 27 minutos.
- O quê?
- Tem que transformar, Alice, aí é que está!

Consigo sentir cada nervo do meu corpo, me sinto muito vivo, e muito animado.
Ela fica em silêncio do outro lado da linha, desmanchando lentamente a minha euforia.

- Lucas, olha. - ela respira fundo. Não.- Essa não é a melhor hora para a gente se falar, ainda mais por telefone.
- Não, essa é a hora perfeita.
- Luke. Eu quis que viesse comigo, e por medo, ou sei lá o quê, você não quis. Fim da história. Não é uma brincadeira, Cosanto, nada disso aqui.
- Eu sei que não, Alice, eu..

Ela me interrompe brutalmente.

- Não, você não sabe. Me desculpa por ter começado tudo isso, está bem? - Nunca a vi tão irritada, e estou começando a me assustar com o tom de voz dela.- Eu errei. Achei que você estava pronto, que mesmo com suas crises você ia conseguir cumprir..Mas não, então só esquece isso, ok?

Ela faz uma pausa. Quando volta a falar, seu tom suavisou um pouco, mas ainda está ácido e estranho.

-Sério, gosto muito de você, Luke, mas de verdade, quem é você para ser tão protegido e especial?! Cresceu a vida toda no melhor bairro da Cidade Alta, tendo tudo sempre só do bom e do melhor. Não consigo entender por que o Benji te escolheu. Por favor, não é pessoal, mas você..Você nunca sofreu de verdade. Nunca teve que lutar por nada, não criou um senso de realidade.

Meu queixo caiu completamente, e fico esperando que, como sempre, minha visão escureça e eu caia a qualquer momento no lugar sombrio das crises. Mas esse momento não vem. Não dessa vez.
Me abaixo e pego o telefone desligado. Não senti quando ele caiu da minha mão . Fico encarando o aparelho por um tempo.
Não entendi de onde veio tudo isso, e nem sei do que se trata a metade das coisas que ela falou. Quem é Benji? Benjamim? O meu Benjamim, meu pai?
Nunca ouvi palavras tão duras contra mim, e logo por Alice, em quem confio tanto! Fico pensando no que ela disse sobre a minha suposta falta de senso de realidade. Penso nas pessoas do hospital, e como não entendi o que se passava, penso em Sofia e Elísio, que não consegui ajudar em nada, penso no meu pai caído, gritando, chorando assustado e em como vi o coração da minha mãe se apagando aos poucos a cada ataque dele. Penso em Lino, com seus trinta de volta e sua cabeça erguida.
Talvez Alice esteja certa sobre mim, afinal.

De repente, me lembro de como fiquei afetado após ver as "pessoas carentes", e vomitei na calçada mesmo sem saber o que estava acontecendo. E em como chorei quando vi o coração de Elísio se partindo ao saber de Sofia. Me lembrei de quando era um garotinho, cheio de vida, e vi meu pai padecendo à loucura enquanto sofria os terríveis 5 anos de volta. Claramente isso me mudou, foi quando as crises começaram. Lino, mesmo sendo tão doce e amável, não foi dilacerado por essas coisas. Já eu não tive controle, e fui atravessado por cada tristeza que passou na minha frente, pegando ela para mim. Minha vida é muito boa, as crises são por conta de sofrimentos alheios.
Quando dou por mim, já estou apertando o botão de ligar, e assim que ela atende, começo a falar.

- A dor sentida não precisa ser sua para que seja verdadeira. Assim como também o amor pode crescer em você só por olhá-lo ao redor. Senti isso com meus pais, e sinto isso a cada dia quando vejo que o sol não desistiu de nascer para A gente, apesar de tudo. Acredito que conseguir ser você mesmo sendo junto o mundo todo, é o que nos faz humanos e nos mantém vivos.
Se acha mesmo que eu não sou nada e não quiser me ajudar, não tem problema, só que agora eu me liguei, em todos os sentidos possíveis, e não vai ser nada fácil desligar.

Antes que o tempo acabeOnde histórias criam vida. Descubra agora