Eu quero cuspir na sua cara.
É, isso mesmo.
Quero cuspir todas as lágrimas, mágoas, noites mau dormidas, dores de cabeça e um tudo o mais bem no meio da sua cara, por você feito com que eu esquecesse que existia algo além daquele cobertor azul, daquele papel de parede com cheiro de café, com um sorriso e uns sussurros furtivos que eram um mundo em si mesmos. Quero te dar um murro na boca do estômago, daqueles feios mesmo, que fazem as lembranças voarem num despejar de dor lacinante. Igual àquele murro de palavras que você me deu num dia úmido e frio. Você desceu o meio fio da calçada e me deixou inerte de palavra enquanto as gotas começaram a embaraçar meu cabelo e disfarçar minhas lágrimas. Aquele murro do adeus.
Se existem cinco estágios para isso, meu amor, eu definitivamente estou no da raiva. As almas resignadas que me perdoem, mas hoje quero arrebentar seu nariz de reboco, só porque você se bordou t-o-d-o na droga da minha casa i-n-t-e-i-r-a. Quero demolir esse castelo de cartas, de fotos, de eu-e-você, começando pela base daquele cantinho m-a-l-d-i-t-o no meu quarto onde guardei nossa caixa de retalhos.
Quero queimar suas cartas. De verdade. E cozinhar você junto, como uma bruxa má mexendo o caldeirão. Quero jogar as cinzas do nosso amor cremado no Arpoador, só para me certificar de que você se perca e morra afogado, afundando no esquecimento surdo no mar. Quero te asfixiar, da mesma forma que você fez comigo quando disse que nosso 1+1 nunca seria dois, porque você não era um mas era meio, e eu seria para sempre uma inteira. Inteira de mim, sem espaço pra você.
Eu quero te rasgar, igualzinho como você fez comigo quando não bateu o olho em mim para pegar as suas tralhas no meu apartamento, mas mandou algum infeliz ir lá buscar e trazer os pedaços da minha vida que estavam contigo dentro de bolsas de papel. Você empacotou tudinho, até aquele meu caderninho de capa verde que você jurava não saber onde estava, as minhas meias furadas, a escova de cabelo sem metade das cerdas, o shampoo da farmácia da esquina e meu vestido lilás. T-u-d-o. Deixei o pobre coitado catar a casa inteira atrás das suas porcarias, daquela sua camisa velha e mal-lavada de uma banda hipster qualquer, daquele seu violão desafinado, dos seus jogos estúpidos. Deixei, enquanto ridiculamente tentava na varanda ao mesmo tempo acender um cigarro e conter os soluços para não parecer tão tola. Tão incrivelmente tola.Naquele dia, quando ele saiu nos últimos raios salpicados de crepúsculo, eu senti como se um caminhão tivesse me atropelado. Cambaleei bêbada de dor, tristeza e angústia até o quarto e me atirei na cama chorando copiosamente. Depois de tudo, tudo... Isso? É sério? É o melhor que você pode fazer?
Naquele dia dei um basta na agonia, e agora de passo em passo por entre a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação estou indo de encontro a um amanhã melhor sem você.
