Minha cabeça está latejando. Estou num bar com Roger, meu amigo de trabalho. Ele fala alguma coisa, mas não consigo escutar, tamanha dor de cabeça. Resolvo que tenho que ir para casa, mas desisto ao me lembrar que estou de carro.
Alguns instantes mais tarde, um pouco melhor, decido ir embora. Me despeço de meu colega e parto em direção à porta, caminhando devagar. Ao sair do bar, meus ouvidos são invadidos pelos ruídos da cidade naquele horário. Que maravilha! Isso me distrai um pouco enquanto caminho até onde deixei meu carro, mas inesperadamente esbarro em uma moça e derrubo sua sacola de compras.
― Me perdoe, por favor. Estava distraído demais. Não foi minha intenção ― digo isso, enquanto me abaixo para ajudá-la a recolher suas compras no chão. Percebo que são várias caixas de remédio com tarja vermelha. Nossa! Será que são para ela? Esta moça é muito jovem para tomar tantos remédios!
― Tudo bem. Tudo bem. Deixa que eu recolho ― reage a jovem.
Quando ela fala é que eu realmente olho para o seu rosto. "Que mulher mais linda", penso. Sua beleza é tão estonteante que esqueço do que estava fazendo e fico ali de boca aberta feito um bobo, apenas observando-a.
― O que aconteceu com você? ― ela pergunta, enquanto levanta-se.
― Ah... Nada, não.
Ela é uma mulher alta, quase da minha altura. E seus cabelos castanhos parecem tão macios e sedosos, gostaria de tocá-los agora. Seus olhos são de um tom de verde escuro, parecendo duas esmeraldas.
― Esses remédios todos são para você? ― decido perguntar-lhe. ― São remédios demais até para um velhinho.
― Desde quando eu tenho que dar satisfações a um estranho? ― ela esbraveja, de repente. ― Dá licença.
Mas quando ela se vira, eu seguro seu braço levemente, pois quero me desculpar.
― Perdão. Não quis me intrometer na sua vida. É que eu apenas fiquei preocupado. Sou cardiologista e observando todos esses medicamentos e você sendo uma moça tão jovem pode ter uma patologia muito grave para ingerir tantos remédios.
― Então você é cardiologista? ― pergunta, desviando o assunto.
― Sim. Trabalho numa clínica próxima, a Clínica Bem Estar.
― Nossa! É onde faço meu tratamento contra um... ― ela se arrepende de algo e muda de postura. ― Deixa para lá.
― Tratamento? Então você está doente? ― Esses remédios são todos dela constato, horrorizado, pois a quantidade de medicamentos que ela toma é absurda. Só pessoas em tratamentos graves, como quem tem câncer, tomam tantas drogas... Arregalo os olhos ao pensar nessa possibilidade.
― Desculpe, mas você tem câncer? ― pergunto da maneira mais calma possível, pois, como sou médico, já dei muitas notícias de doenças graves a pacientes, e sei como é delicado falar sobre câncer.
Ela me observa com os olhos arregalados por um momento breve e coloca uma mão no rosto. Estou me arrependendo já da pergunta, quando ela simplesmente desaba no choro. Fico sem saber o que fazer, então ofereço-lhe um abraço, que ela aceita. Mas logo se afasta.
― Sim, eu tenho câncer. Descobri há poucas semanas, ainda não me acostumei com a ideia. E desculpe molhar sua camisa com minhas lágrimas. ― Fico aliviado que ela tenha se aberto comigo, provavelmente por que eu sou médico.
― Isso é o de menos. O que importa aqui é que você não está bem. Principalmente emocionalmente. Você tem que se acalmar. Ter esperança e pensar positivo. Isso ajuda muito, inclusive eu acredito que a felicidade ajuda a curar mais rápido.
― Eu sei, eu tento, mas é difícil suportar a ideia de que depois de tantas coisas que passei para alcançar a profissão que tanto sonhei, isso tudo pode descer por água abaixo por causa de uma doença devastadora.
Ela me olha com olhos tão tristes que dá vontade de abraçá-la até que seus problemas desapareçam. Mas sei que isso não é possível.
― Sei o que quer dizer. Eu estudei por 6 anos até me tornar médico. Depois estudei mais 3 anos para ser cardiologista. Minha vida durante anos foi somente para o estudo, mais nada. Eu perdi muitas coisas nesse tempo, inclusive amizades de infância. Desculpe, mas não posso permitir que você desanime assim, pois eu tive muitos motivos para desistir de alcançar meu sonho. Pense bem, você tem a chance ainda de viver o seu. A caminhada pode ter sido longa, mas nunca devemos desistir dela, mesmo que não saibamos quanto tempo ainda teremos na Terra. A vida é incerta. A única certeza é que todos morreremos um dia. A escolha é sua.
Depois disso, a moça me dá um longo abraço e chora novamente. Mas, ao nos afastarmos, percebo um brilho diferente em seu olhar. Parece esperança. Talvez eu tenha feito ela perceber que não adianta desanimar, que a vida não é fácil e não vem com manual de instruções. Talvez eu tenha feito muito mais do que penso. Ou talvez ela simplesmente volte para casa sabendo que é muito mais forte que qualquer problema.
Pois a vida é assim. Um dia estamos felizes, outro nem tanto. Mas com que intensidade seria essa alegria se não fosse a tristeza antes sentida?
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Encontros do Destino
Short StoryEste é um conto dramático publicado no livro "Pequenos Escritos, Sinistras Histórias" com o selo Antologias Brasileiras, da Editora Illuminare. Às vezes, o destino lhe põe pessoas certas no momento em que você mais precisa. Pode poucas palavras de a...