II

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A rua estava gelada e tudo o que aquecia Louis era a calça de moletom cinza que vestia no lugar dos pijamas. A cidade estava inteiramente deserta, recoberta por uma manta escura iluminada por estrelas e Louis se perguntava porquê todos dormiam.

A máquina de bebidas ficava em frente à padaria central e era toda iluminada nas bordas, planejadamente chamativa, dando vontade de parar para jogar um saco de moedas ali só pra poder observá-la por mais algum tempo. Louis tirou do bolso um ticket, enfiou-o no espaço reservado e esperou que uma garrafa se desenroscasse e caísse, mas nada. Respirou fundo, empurrando a máquina levemente.

— Merda de máquina. Se fossem cigarros nada disso teria acontecido. — Louis olhou para os tickets que faltavam na sua mão, — E se eu gastar só mais um... deve ter sido uma falha no sistema, — ele calculava consigo mesmo enquanto recolocava o outro na fenda da máquina, não era como se as suas irmãs não fossem enche-lo de novos vale-tickets no dia seguinte.

Louis observou a enorme máquina de dedos cruzados, no entanto, novamente, ela não despejou nenhuma garrafa. — Porra!

— Talvez se eu... — Louis esgueirou o braço fino pela máquina, o enfiando na parte em que a lata deveria cair e o introduzindo perto das roletas — Uh... só mais... alguns centímetros... — Não adiantava. A maldita Coca Cola não sairia dali de forma alguma e o braço de Louis era comparavelmente tão pequeno quanto ele.

Nada de cigarros. Nada de Coca Cola. E nada de Louis desistir. 

Um cigarro era tudo o que ele queria, tudo o que ele precisava, e talvez aquela única Coca Cola fosse tudo o que ele tinha para frear a sua angústia. Apesar de ser seu companheira de todos os momentos, Louis sentia falta da nicotina principalmente durante seus surtos, afinal, era a única coisa que podia acalmá-lo, como se a fumaça puxasse para fora também  toda a sua ansiedade. Uma lata era tudo o que ele precisava para se lembrar do gosto que relaxava toda a sua dor.

Era sua última chance e o ludibriamento de ter a bebida em mãos havia provavelmente afetado a parte do cérebro de Louis que havia sido feita para raciocinar. 

Chutou a máquina. Empurrou-a. Bateu e esperneou. Socou seus botões, um por um. Se estapeou contra o vidro, observando todas as garrafas. Nada. Nem um movimento sequer. Sua mente já não filtrava a realidade, Louis podia até mesmoouvir uma risada irônica vindo dela, menosprezado-o.  Exausto, ele se deitou ali na frente, a raiva consumindo todo o seu âmago. O punho, roxo e inchado, latejava.

Louis ouviu um barulho. 

Viu um vulto.

Maldita miopia.

— Meu Deus, você está bem? — O menino se ajoelhou ao lado de Louis— Foi um assalto? Ele estava armado?— Louis se manteve imóvel, sentindo sua cabeça ser abraçada pelo desconhecido que o encarava fixamente e seus dedos acariciarem seu cabelo. — Você consegue se lembrar pra qual lado ele foi?

— Que merda é essa? É uma pegadinha? Não foi assalto coisa nenhuma. Foi essa porra de máquina que não solta a minha coca. É a minha segunda ficha e ela só engole meu dinheiro sem parar. — Parou por um segundo, sentindo a mão em sua nuca, — E me solta, porra, tá achando que eu sou viado? 

O menino se desprendeu de Louis.

— Desculpa, eu... fiquei preocupado. Achei que você tava ferido ou precisava de alguma coisa ou... tanto faz... quer dizer, essa barulheira toda foi...

— Por uma coca? Sim, isso mesmo. Tudo por uma simples lata com líquido capitalistamente gelado.

— Mas ouvi gritos e chutes e...

— Exato. Era eu. Nada mais. 

O menino se levantou, largando Louis deitado na mesma pose, como se estivesse no sofá de casa e voltou pelo mesmo lugar que havia entrado. 

— É isso, então, menino cabeludo? — Louis berrou para o vulto que havia sido engolido pelo beco escuro — Você vem aqui, agarra minha nuca de uma forma sexy, não se impressiona com o meu charme e vai embora? — Nem sinal de resposta, nem minimamente um som. — Ah, foda-se, era um inútil mesmo.

Minutos depois, os passos voltaram a palpitar pela calçada erma e uma lata caiu ao lado dele. Uma coca. Louis olhava para o garoto, para a máquina e então para o garoto de novo. Agarrou a lata, desacreditado, e a abriu.

— Eu trouxe da padaria, é a dois passos daqui. — Andou até ele, receoso de chegar perto demais, e, ainda assim, mantendo um olhar visual fixo nos olhos azulados de Louis. — A propósito, meu nome é Harry.

— Louis. — Levantou-se, deu um gole rápido e apertou a mão de Harry, —  E ah, obrigado por isso. Essa máquina quebrou e eu... só realmente precisava de um pouco dessa merda. 

— Não há de que. — Harry saiu andando, antes sacando um cigarro do bolso e acendendo-o.

 — Você só pode estar brincando comigo. Puta que pariu, não é possível. Eu te odeio.

— Mas eu...

— To falando com Deus, Harry. Deus me odeia. E eu o odeio também. Estamos selando um trato aqui, se nos dá licença. — Voltando-se para o céu, — Qual é a sua, hein? Primeiro me faz quase ter que amputar o braço numa máquina de Coca Cola e então bota um padeiro-mirim pra fumar na minha frente?

Harry suspendeu o cigarro, avaliando a situação e tentando entendê-la da forma menos complexa possível.

— Você fuma? — Ele perguntou, isso tinha sido a coisa que havia chegado mais próximo de uma conclusão durante toda a sua investigação.

— Fumava. Substitui cigarro por Coca, não por vontade própria. Tá mais pra falta de autonomia.

— Trocando um vício por outro? Que solução erudita. 

— Um câncer por obesidade, nada mais válido. — Louis observou o movimento de Harry, tragando e então expulsando todo o ar brutalmente. — Você não vai me oferecer?

— Deveria?

— Não. Poderia.

— Não vou.— Harry levantava a sobrancelha, divertido.

— Você nem tem idade pra isso, passa esse cigarro pra cá. 

— Eu sou mais velho do que você imagina. Olha, Louis, sei que não nos conhecemos mas desde quando eu comecei a fumar, prometi pra mim mesmo que não influenciaria ninguém com isso. Se você tivesse parado aqui e pedido um cigarro porque esqueceu seu maço em casa, eu não recusaria te dar meu maço inteiro, mas se você está aqui quase arrancando uma perna para enfiar dentro de uma máquina e conseguir uma bebida, é porque alguém quer que você pare, é porque alguém se importa com você. E você pode até destruir a boa vontade dessa pessoa, mas eu não vou. 

—  E por que você fuma então, senhor-hipócrita? — Louis revirava os olhos com cada palavra do garoto, ele só queria um maldito cigarro.

— Nunca tive alguém que se importasse o suficiente pra me fazer parar. Nem mesmo eu. — Harry jogou o cigarro no asfalto, pisando no mesmo no instante seguinte e logo em seguida catando-o para jogá-lo no lixo. — Você tem alguém que te ama em casa. Aproveite isso.

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Let Me Blow Your CokeOnde histórias criam vida. Descubra agora