I - O Sonho da Profissão

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Outono de 2015

A reunião aconteceria no horário de sempre: às terças-feiras, a partir das nove. Pontualidade e organização sempre foram impecáveis entre o pessoal da Beckerly & Sedah Advogados Associados. Foi essa disciplina que os consolidou no mercado, tornando-se um dos melhores escritórios do país. A empresa ocupava um andar inteiro de um prédio na Avenida Paulista.

Na sala de espera, Luciano Walck Cássio estava à espera da tão sonhada entrevista de emprego. Fitava os arranha-céus através da parede de vidro fumê.

"Nunca imaginei que competiria por uma vaga para trabalhar aqui. É realmente um sonho!" – O jovem advogado refletia, os braços atrás das costas, se lembrando de tudo o que passara para chegar até aquele momento.

Filho de um barbeiro, que queria vê-lo tomar conta de seu salão quando ele morresse e não compreendia a capacidade de Luciano sonhar tão alto. Por isso, o rapaz trilhava o seu caminho em silêncio, para não entristecer aquele que o gerara. Amava o pai, mas sabia que sua vocação era diferente da dele.

Até o dia que tiveram a primeira discussão. Luciano já fazia a faculdade de Direito, mas estava trabalhando ao lado do pai. Naquele dia, empolgado, comentou sobre um caso importante que estava em destaque na imprensa, onde um advogado brasileiro famoso conseguira provar a inocência do réu, em uma acusação errônea de homicídio.

— Acho isso uma besteira, meu filho. Esse seu sonho de ser advogado. A vida real te espera, Luciano! Você tem uma carreira de barbeiro pela frente, com tudo pronto à sua espera! Me cansei de discutir contigo sobre essa vida fantasiosa que almeja – antes que ele respondesse o pai estendia a mão, pedindo silêncio. — A escolha é sua. Qualquer coisa, vendo isso tudo aqui e vou me aposentar. Mas não se esqueça de que é com este trabalho, que julga inferior demais para você, que sustentei toda a família. Inclusive, é com os cortes de cabelo e barba que a sua faculdade está sendo paga... — o pai estava contrariado ao ouvir o filho desprezar tanto assim a profissão na qual fora tão feliz.

— Está bem, pai. Mas acho que devemos escolher a profissão que pretendemos seguir a vida toda. Eu não quero a sua vida, pai. Tenho o direito de escolher e decidi fazer Direito.

— Não estou preocupado comigo, Luciano. Minha vida está caminhando para o fim. Apenas deixei as coisas prontas para você ser barbeiro, para que não fique sem nada. Mesmo não sendo rico, tenho certeza que não lhe faltará o sustento. Além do mais, há muito advogado formado que não consegue uma chance sequer de trabalhar na profissão. A maioria fica tentando concursos públicos durante a vida inteira e não chega a lugar algum.

Não falaram mais nada durante o expediente. Luciano, então, se aproximou do pai assim que o último cliente saiu e o abraçou, como sinal de gratidão.

— Eu amo o senhor, pai. Sei que deseja o melhor para mim... Mas não me julgue mal; não posso desistir dos meus sonhos.

Seu Antônio o enlaçou afetuosamente de volta.

— Corre atrás deles, meu filho. Mas, saiba que reservei um lugar para você aqui ao meu lado sempre que precisar.

Eles sorriram um para o outro. O amor de um pai pelo filho não precisa de palavras.

Depois de algum tempo, chegou a tão sonhada formatura. Dona Flora e Seu Antônio viram, emocionados, o filho na tribuna recebendo o canudo. Luciano sorria, levantando o diploma bem alto para que compartilhassem de sua vitória.

Passados alguns meses, a dificuldade em arrumar um emprego na área mostrava que as palavras do pai eram verdadeiras. Luciano já começava a estudar, a fim de passar em concursos públicos, embora tivesse conseguido a aprovação nos exames da Ordem dos Advogados com facilidade, devido ao seu grande conhecimento. Ele tinha todo o talento necessário, só lhe faltava a oportunidade.

Um dia, ao chegar em casa da grande jornada atrás de emprego, ele encontrou os pais na sala, vendo o noticiário. Fitando o chão, ouviu o pai dizer:

— Já sabemos, filho. Mais um dia sem conseguir nada. Eu disse a você que poderia ficar lá na barbearia o tempo que quiser...

Mas ele se recusava a ceder.

— Assim que abrirem os concursos vou passar em algum, tenho certeza. Estou estudando muito....

— Filho, você sabe que a crise no país não vai permitir que abram concursos tão cedo. As vagas para escritórios privados são raras e disputadas – o pai tentou argumentar.

— Deixe o nosso filho sonhar, Tonico. Você também já foi jovem e sabe como é bom ter esperanças na vida. O que foi bom para você não significa que será para ele – a mãe se virou para o rapaz. — Não desanime, Luciano. Quem estuda sempre consegue um lugar neste mundo. Lute que você vai conquistar o seu espaço. Me senti tão orgulhosa de vê-lo com seu diploma e nunca me esquecerei disso! Sei o quanto é capaz.

— Mãe, eu perdi a empolgação. Acho que vou ficar com o pai trabalhando na barbearia – ele tentava conter o choro.

— Levante a cabeça, meu filho. Nada na vida é fácil. Tenho tantas amigas lá no clube que os filhos conseguiram porque persistiram. Vamos ajudá-lo até quando precisar – dona Flora sorriu.

O jovem correspondeu, meio sem graça e subiu para o quarto, desacreditado na profissão de Advocacia. 

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