Mergulho na escuridão

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— Finalmente, a princesinha chegou — disse o líder do grupo ao avistar Amanda. Ela ofegava, com as mãos apoiadas nos joelhos, e não respondeu. O outro membro da expedição olhava para ela debaixo de uma máscara branca com o formato de cabeça de ave. Médico, pensou ela, com um sorriso falso. Amanda não gostava deles. Eram soturnos, calados e realizavam experimentos em humanos e animais, ainda vivos.

— Anda logo, a caravana já vai sair. — O líder entrou no transporte e foi seguido pelo médico. A caravana tinha cheiro de mofo e doença, um fedor azedo que incomodava até os olhos. A madeira rangia enquanto eles subiam.

Amanda sentou-se em frente aos outros. Ouviu o chicote do cocheiro estalar, e a carruagem começou a se mover.

Observou o líder da expedição. Pelo que lembrava, chamava-se Lincoln. Uma grande cruz vermelha marcava o peito de sua armadura de ferro. As olheiras fundas no rosto pálido davam a impressão de que ele não dormia há semanas. Estava sempre com os olhos vidrados, balançando a perna e sussurrando sozinho.

O médico, por outro lado, parecia nem respirar. Suas mãos descansavam nas pernas, sem nenhum movimento, com unhas longas e sujas despontando como insetos. Era uma imundície negra, mas Amanda também vislumbrou vestígios vermelhos. Desviou o olhar e virou-se para o líder.

— Somos só nós três? — perguntou ela.

Lincoln fez uma careta e coçou a barba com a mão calejada.

— Se tiver dinheiro pra bancar mais gente, fique à vontade.

Ele observava a vista deprimente lá fora — árvores secas e uma terra estéril marcavam a paisagem, bamboleando pela pequena janela da carruagem. Ou simplesmente evita meu olhar, pensou Amanda.

— Você é templário, não é? Um guerreiro de Deus? Queria ter fé como você, mas nunca consegui.

— Ultimamente deposito minha fé apenas no aço — Lincoln murmurou, agarrando o cabo de sua espada até os nós dos dedos ficarem brancos. Encostou a cabeça no banco desconfortável, ainda olhando para fora, e não parou de falar sozinho até o fim da jornada.

Por que esse homem era o líder da expedição? Parecia um elástico tensionado até o limite, prestes a arrebentar. As histórias que contavam de Lincoln eram verdadeiras? Diziam que ele já tinha participado de dezenas, ou até centenas, de excursões em locais isolados. Sempre retornou com relíquias, equipamento e ouro. Essas áreas, geralmente repletas de bandoleiros, armadilhas e tocaias, nunca impediram seu sucesso — e poucos podem se gabar do mesmo.

As histórias também falavam de demônios e criaturas grotescas, mas as pessoas exageravam qualquer conto por ignorância ou para aumentar o interesse. Amanda prestou mais atenção em outras partes das histórias que ouviu pelas ruas e estalagens — na habilidade em combate e capacidade de liderança, tática e controle sob pressão do templário.

Aquele homem do lado dela não parecia o mesmo dos relatos. Era uma casca vazia e perturbada de um guerreiro. Não, ele não procurava evitar os olhos dela — Lincoln estava dominado pela loucura.

Os cascos dos cavalos estalavam contra o chão de terra, e a carroça sacudia. O médico permaneceu imóvel como um cadáver. Os buracos sombrios da máscara pareciam observar Amanda. Ela imaginou o mundo de dor e desespero por trás deles e sentiu uma língua de gelo lamber sua nuca, arrepiando cada pelo. Endireitou-se e passou a mão atrás da cabeça.

No que ela tinha se metido...

***

Amanda perdeu a noção do tempo, mas a paisagem tinha mudado. Árvores densas subiam pela estrada, até não haver mais espaço para prosseguir com a carruagem.

Mergulho na escuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora