CAPÍTULO 17 - A SOBREVIVENTE

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A tarde caía e, no céu, luzes verdes que se moviam rapidamente faziam traços parecidos com ondas do mar e apareciam entre as nuvens. Eu conversava com Guido, ele já tinha afirmado conhecer aquelas terras muito bem. Sentávamos sobre os últimos degraus do templo que dava para uma vista estupenda de todo o vilarejo thonze e da torre mais alta do Castella Hondeias ao fundo, atrás da linha verde de florestas no horizonte.

– Nós éramos uma família muito feliz, somente eu e meus avós – ele me explicava – Cheguei a conhecer meus pais, mas eu não me lembro de muita coisa sobre eles.

– Não sente falta deles? – perguntei, sério.

– Para falar a verdade, não. Sempre me acostumei a viver só com meus avós, mesmo eles sendo muito ocupados. A atenção que eu recebia dos dois compensava o tempo que ficava sem vê-los durante o dia. Não sinto falta dos meus pais, sei como são, costumava olhá-los nos retratos todas as noites, mas era o meu avô quem me colocava nos cobertores nas noites frias dos raios azuis no Ciclo Menai. Antigamente nossa família consertava tripés e caixas pretas que explodiam fumaças a cada fotografia. Hoje minha avó tem uma tenda na cidade do Castella Hondeias, onde vende réplicas de artefatos históricos feitos por ela mesma.

– Há algumas horas lá em cima, em frente ao lago no salão de Phoerios, você tinha falado da Eleonora com um pouco de desprezo, isso eu pude perceber. Ela te fez alguma coisa?

Guido abaixou a cabeça e logo olhou para o mar da esquerda onde, lá longe, as aves voavam no céu.

– Eu não suporto quando falo uma coisa de que tenho certeza e não acreditam em mim, e isso foi um dos motivos para eu ter saído de casa, além de querer encontrar a Sala de Phoerios. Eu sempre gostei da floresta, lá eu podia encontrar as fadas, montar nos rapkos e ser como as criaturas que os aqualaestes ainda não conhecem.

– O que você quer dizer com isso? Existem criaturas desconhecidas?

– Existem, mas não falo delas. Falo de criaturas que os cidadãos acham que conhecem – falou o menino num tom curioso.

– De quem está falando? – franzi a testa.

– Falo das outras raças. Há muito tempo, avistei um homem que vestia uma roupa cinza e escura até o chão com um capuz cobrindo a cabeça. Ele estava na floresta e me pareceu bastante solitário. Ele não gostava que eu olhasse muito para seu rosto, estava sempre tampado por folhas secas, como se tivesse tampando ferimentos graves. Em pouco tempo, ele se tornou meu melhor amigo, mas ainda era muito estranho. Ele aparecia do nada quando eu estava dormindo. Na escola, sempre estava ao meu lado, conversando comigo.

– Ele não era imaginário?

– NÃO! Os outros alunos também olhavam para ele, mas ele só falava comigo. Não me lembro sobre o que conversávamos, parece que há um bloqueio quando tento lembrar. A única coisa de que me recordo é que, um dia, ele me falou que era de uma raça que os humanos evitavam, mas eu não tinha medo dele. Um dia eu voltei da escola e vi meu avô doente, era grave, estava de cama. Minha avó me culpou.

Aquala e o Castelo da Província (vol. I)Onde histórias criam vida. Descubra agora