Capítulo 01: O Menino Pálido

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A garota deitada em um campo de centeio lia um livro rústico de páginas amarelas e grossas, escrito à mão com uma letra bela e grossa em tinta preta. O livro, que herdara de seu pai, contava a história dos seus ancestrais; um povo que guerreava com tanta frequência que Sofia se surpreendeu ao imaginar que os gregos tivessem sobrevivido durante todos aqueles milênios. Aquele livro contava a história de um herói chamado Aquiles, que não podia ser ferido, exceto em seu calcanhar. Isso aconteceu por que sua mãe, Tétis, mergulhou-o no Rio Estige segurando pelo calcanhar, tornando seu corpo invulnerável, menos ali.

A Ilíada era realmente um texto muito interessante. E Sofia já o havia lido dezenas de vezes.

Ela leu até o Sol começar a descer no horizonte. Na história, os gregos ainda nem tinham invadido Tróia; na verdade Páris tinha acabado de voltar com Helena para Tróia. Levantou-se e iniciou a caminhada para sua casa, o que levaria pelo menos meia hora. Porém, ela gostava de andar.

Sofia Rockenbach é uma jovem muito bonita, atraente, extrovertida, entretanto o isolamento de sua fazenda fez com que ela se tornasse uma leitora voraz dos velhos livros de História de seu falecido pai, Abderus Rockenbach, que morrera cinco anos antes, deixando esposa, filha e uma pequena fazenda de abelhas com algumas dezenas de colmeias para produzir e vender mel artesanal. Ocasionalmente, um vendedor vinha ao vilarejo de Mikrio, onde morava, trazendo novos livros. Ela nunca, porém, havia deixado a vila.

Todavia, o aparecimento de um rapaz de pele muito pálida e olhos negros mudaria para sempre o rumo de sua história.

Ela estava a cinco minutos de casa. De fato, já até podia avistá-la. Já era noite, mas naquela região não havia perigo algum. Ela viu à beira da estrada um rapaz desmaiado. Estranhou. Ele era mais branco do que as folhas do livro que lia e parecia não tomar sol desde o dia em que nasceu. Estava magro também, tanto que ela podia ver o formato de seus ossos através da pele. Ele tinha olheiras profundas e pretas, quase do mesmo tom que seu cabelo. Sofia decidiu que precisava ajudá-lo.

Aproximou-se dele e tentou acordá-lo sacudindo-o pelo ombro, mas seu esforço foi em vão. Colocou-o em suas costas: ele era mais leve do que imaginou. Carregou-o até sua casa, onde sua mãe a aguardava preocupada. Entretanto, antes que ela pudesse corrigir a conduta da garota, notou a pessoa que ela carregava.

– Onde esteve? Quem é esse menino? Vamos, coloque-o em sua cama. – Ela começou a dizer várias outras coisas que a menina escolheu ignorar. – Sofia! Me responda. – Ela insistiu assim que ela colocou o corpo inerte do menino na sua própria cama.

Sua mãe chamava-se Bernadete Rockenbach. Tinha mais de cinquenta anos; cabelo ralo, grisalho e sempre preso em um coque. Tinha o semblante triste desde a morte de Abderus, seu companheiro de longos anos. A solidão rondava seu coração e seu humor, contudo, ela conduzia a fazenda, os dois servos, e os negócios a punho de ferro. Ela sustentava a filha sozinha. Nunca mais se casou; não queria homem algum mandando dentro de sua casa. Ela gostava de se considerar uma mulher forte e independente.

– Eu estava lendo no campo de centeio. – Explicou. – Eu encontrei esse menino caído na estrada de volta.

– Você o conhece? – A mulher perguntou, desconfiada.

– Não. Eu o encontrei desmaiado recostado em uma árvore.

– Ele não parece estar com febre, está apenas muito magro. – A mãe diagnosticou tocando com a palma da mão em sua pele. – Vou tentar despertá-lo e dar comida para ele. Vá dormir no meu quarto.

A garota fez que sim com a cabeça e saiu.

Apesar de ficar deitada por horas e horas, ela não dormiu nem um segundo. A cama de madeira e palha de segunda mão era extremamente desconfortável, mas eles não tinham dinheiro para nada além. Fitando o teto com goteiras em dias de chuva, Sofia esperou a noite passar, enquanto rezava aos deuses para que o menino ficasse bem. Nenhum deles ouviu suas preces.

Khali: o Reino do Olimpo | DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora