Nada como não saber de nada.

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Eram 6:46 da matina. O vento estava úmido e gelado. O frio estava incomodante e não conseguia deixar a jovem moça
descansar.
"Pobre garota." "Deve ser moradora de
rua." "Se perdeu completamente", muitos pensavam ao vê-la deitada embaixo de uma árvore, completamente inconsciente.
Não. Ela não era moradora de rua, muito menos uma desvirtuada à sanidade social.
A garota-que-não-lembrava-seu-nome tinha uma força que provavelmente não cabia dentro de si. E o pior de tudo, é que aquilo era preocupante e perigoso. Poderia colocar milhares de pessoas em perigo.
O frio já estava perturbador. A jovem sentiu-se incomodada e, de uma vez só, decidiu levantar-se.
À princípio, não entendera nada do que havia acontecido. A única coisa que sentia era a dor de alguns ferimentos abertos. Sem contar a insuportável dor de cabeça que a atingira de imediato.
Sem saber o que fazer, com frio, fome e dor, a garota ruiva decidiu sair à procura de um abrigo.
Ela sabia que havia acontecido algo, mas não sabia exatamente o quê.
A pobre coitada mal lembrava seu nome, quando entrou em uma loja de mel, na pacata rua de... Uma cidade completamente desconhecida para ela.
Ao entrar, encontrou uma velhinha sentada no balcão com os olhos fixos na menina, provavelmente estranhando algo.
- Você...
- Desculpe, como? - Retrucou a pobre menina.
- Você, sua maldita! Arruinou a minha vida! Estava tudo tão bem... Como tem coragem de aparecer aqui? Saia daqui, praga! - Disse a velhinha se levantando e empurrando ela para fora da lojinha. - Não volte nunca mais! E diga a seu pai uma coisa... QUE ELE VÁ PARA O INFERNO.
- Espere! - Segurou-se na beirada da porta. - Por favor... Eu não lembro de nada, senhora... Mal lembro que tenho um pai! Acordei debaixo de uma árvore com uma chave e esse papel. Não tenho para onde ir. Me perdoe pelo que fiz mesmo não me recordando, mas estou perdida, sem rumo... Por favor...
A senhora olhou para os verdes olhos da jovem e sentiu a verdade e a inocência brilhando neles.
- Olha... Se isso for mais alguma armadilha, eu juro que te mato! E sem piedade!
- Certo! Farei o que a senhora quiser. Mas não me deixe sozinha, eu imploro.
- Não... Não estou convencida ainda.
- Lavarei, limparei, cozinharei... O que a senhora quiser!
- Interessante... Prossiga.
- Posso até ajudar a senhora aqui!
- NÃO. Isso de jeito nenhum...
- Por que não?
- Você realmente não se lembra?
A garota balançou a cabeça negando, com os olhos assustados.
A senhora pegou um pote de mel em formato de urso e depositou uma gota na pele da ruivinha. A mesma urrou de dor, como se aquilo fosse um ácido.
- Como assim? É só mel!
- Não é só mel... Dentro dele há pó de alecrim. Altamente tóxico para... - A velha parou para pensar no que dizer. Seria conveniente dizer à jovem que destruiu sua família a fonte de seu poder e colocar-se mais uma vez em perigo?
- Para?
- Bom... Nós.
- Você também é alérgica?
- Digamos que sim... Somos alérgicas. - Disse diminuindo o tom de sua voz e guardando o pote de mel.
- Pode me dizer o seu nome, senhora?
- Me diga o seu primeiro...
- Não consigo me lembrar... Desculpe. - Ela abaixou a cabeça com a constante vontade de chorar.
- Seu nome... Não ouso pronunciar. Mas considero escrever... - Com muita dificuldade a idosa colocou seus óculos, pegou um papel e uma pena com nanquim e escreveu algo bem devagar com uma letra tremida.
A garota pegou-o e leu rapidamente.

"Amelia Nicolette."

Quando leu aquelas letras garranchosas, uma onda de memórias se passou pela sua cabeça, causando uma intensa dor.
Pessoas chamando seu nome, uns homens, outras mulheres, e até mesmo gritos de crianças. Mãos suadas e tremendo, batimentos cardíacos em níveis extremos, sequidão na garganta e uma inevitável vontade de acabar com qualquer coisa que estivesse na sua frente.
Ela deu um passo para trás na esperança de dissipar tudo isso. Não se sentia bem com tudo aquilo mas... A sensação, era... Era deliciosa.
- Garota? - A velha indagou e Amelia olhou para ela. - GAROTA, PARE COM ISSO. - Seus globos oculares completamente ocupados por uma escuridão rígida assustaram a velha, que por si, pegou um pouco de mel e jogou sobre a menina.
Urrando de dor, a jovem deixou sua escuridão sair, fazendo seu pequeno coração desacelerar.
- En tibi, non exies inde intrare , sed deos quaeso ut ejicerent enti. Domine salva nos de tenebris Merlin Dominev justo. Nos illuminet tenebras non in tactu. - A senhora jogou sal nos cabelos da garota que sentiu uma forte dor de cabeça e sentiu vontade de desmaiar.
- Exumus. - Gritou a velha e Amelia levitou no ar. Não sentia mais seu corpo, porém, ao abrir seus olhos e viu uma luz tão clara, mas tão clara, que jurava não ver nada, mas essa ideia se dissipou em sua cabeça ao ver um rosto familiar. Não sabia de onde vinha, não sabia o que era, mas tinha certeza que já tinha o visto.
O rosto de uma mulher, sorrindo a segurando nos braços e a envolvendo. Era uma sensação revigorante. Ela sentia que algo arrancava raízes de sua alma e a deixavam leve e pura. A mulher mais uma vez apareceu, sorriu e passou suas leves mãos brancas em seu rosto pálido e sardento, e fez os olhos verdes de Amelia se fecharem.
E finalmente, o esperado. De fato, seu corpo sentiu o peso da gravidade, caiu com força e o apagão tomou conta de sua mente.
Consciente ou não, a velha acreditava na segunda hipótese, e com uma força sobrenatural, levantou a garota e levou-a para o quarto atrás da pequena loja.

Os sombrios segredos de Amelia Nicolette.Onde histórias criam vida. Descubra agora