I. Uma carta para a minha vida

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14-01-2016

Querida vida,

Não sei por onde começar visto que penso em acabar contigo quase todos os dias.

Temos todos a mania de te culpar, "a vida é uma merda", desculpa.

Tu não és nada disso, aquilo a que te exponho é que te faz parecer inútil.

Desculpa não me querer levantar, desculpa não te querer exercitar, vida. A culpa não é tua. Desculpa não te alimentar ou alimentar-te em demasia, desculpa aleijar a pele em que habitas, desculpa rejeitar-te. Mas a culpa não é tua, nem minha. Apesar de eu pensar que a culpa de tudo é minha, às vezes sei que não é, mas mesmo assim assumo-a.

Sou capaz de assumir a culpa, mas não sou capaz de assumir outras coisas, de ter coragem para procurar por alguém que me ajude a ti e a mim. Não sou um livro aberto, não sou capaz de te expor a ti, vida, aos outros. Não é que não queira, apenas não consigo.

Fazia-me bem expor-te, fazer de ti uma galeria. Em cada parede um único quadro. Porque contigo, vida, aprendi que só há espaço para uma só coisa ao mesmo tempo, se não fica tudo uma tremenda confusão. Apesar de já estar.

A tua galeria iria ser grátis, porque afinal ninguém paga para entrar na vida de ninguém. Mas custa para sair. Não custa dinheiro, custa sofrimento, dor, agonia, ansiedade, depressão.

Custa problemas que se vão acumulando e no final de tantas páginas preenchidas do meu livro fechado já não tenho apenas um livro mas uma coleção deles, fechada a oito chaves porque sete não chegam.

E depois? Depois entra alguém em ti. E esse alguém irá arrancar-me todas as chaves que guardo bem escondidas, bem enterradas. E quando acordo já sou eu que estou enterrada e todas as minhas chaves foram levadas.

Mas obrigada vida por me estares a ensinar tantas coisas, és uma boa professora. O problema é que raramente gosto de professores.

Do corpo em que habitas.

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