Mofo. É o que sinto primeiro. O odor se prende às minhas narinas, antes mesmo de eu sequer abrir os olhos. Também sinto frio. As paredes úmidas deixam o apartamento mais frio do que já é. Mas já estou acostumado, não que isso não me faça sentir vontade de socar a cara de pau do sindico, porque eu sinto, mas não tenho forças nem para discutir, muito menos para brigar.
Abro finalmente os olhos, e permaneço sem me mexer. Analiso a única perspectiva do dia que terei: acordar; banho; café; trabalho; trabalho; trabalho; almoço; trabalho; trabalho; trânsito; casa; banho; jantar; cama; fim... Fim apenas do dia, infelizmente não da rotina, depois começa tudo de novo.
Uma mancha de mofo se espalha pelo teto que ameaça ceder a semanas, mas que o sindico julga não ser "nada demais", não que os médicos não pensem o contrário, mas eles acham melhor não ficar muito em contato com tal, mas quem sou eu para ir contra o sindico...
Tiro minha atenção da mancha para checar o rádio-relógio na cabeceira; 5:30 da manhã. Já não preciso dele para acordar, mas preciso para saber as horas. Acordei dez minutos mais cedo, posso ficar deitado e esperar o tempo passar, não tenho pressa, então decido esperar nais um pouco. Fecho os olhos por um instante e me perco nas memórias que insistem em se relembrar nos momentos em que estou sozinho, que no caso, é quase sempre.
Um vislumbre se passa em minha mente. Um sorriso, o som de uma risada, o brilho de olhos castanhos, cheiro de uma tarde ensolarada, muitas cores que se mesclam, sinto-me alegre de novo e isso faz meu coração bater mais forte, o sangue corre mais rápido e posso escuta-lo em meus ouvidos, minha respiração acelera, então sinto o cheiro do mofo, a tarde ensolarada torna-se um dia de chuva, cheiro de terra molhada, as cores mudam de amarelo feliz, para um azul de mágoa, ouço alguém chorando, o gosto salgado de lágrimas.
É tudo tão nostálgico, e tão doloroso ao mesmo tempo.O rádio-relógio desperta e a voz melosa de um locutor de rádio surge, eu o checo novamente; 5:40. O tempo voa quando nossas emoções tomam conta.
Seco as lágrimas quentes que escorreram sem que eu percebesse durante meu trágico devaneio. Me obrigo a levantar, lentamente vou me mexendo, sentindo meus ossos estralarem por ficar tanto tempo paralisados enquanto eu dormia petrificado, deixo o cobertor cair no chão, e quase caio junto no processo. Apesar da baixa temperatura do apartamento, me desafio todas as noites, a dormir apenas de cueca e com um único cobertor, pessoalmente, é só mais uma forma idiota de me fazer sentir algo, não tem bons resultados mas acaba funcionando. Meus pelos se arrepiam quando piso no chão frio, leva um tempo até que eu me acostume, mas a experiência me lembre de dar alguns pulos para esquentar, então pego meu roupão e caminho até o banheiro.
A depressão não diagnosticada me faz sentir muitas coisas, coragem para tomar um banho frio na matina, não é uma delas, então ligo o chuveiro na temperatura mais elevada.
A água morna escorre pelo meu corpo, desce lentamente, do topo da minha cabeça à ponta dos meus dedos dos pés, enebriando meus sentidos falhos e meus pensamentos vagos.
De primeiro ato não faço nada, só deixo a água cair enquanto respiro fundo e tento relaxar. O vapor toma conta do banheiro, lentamente, suando o vidro do boxe e o espelho sobre a pia.Passados bons 2 minutos, levanto a cabeça, que automaticamente havia se curvado; o vapor agora é quase insuportável, já não posso ver quase nada, mas dou continuidade ao banho. Esfrego a cabeça para espairecer, e depois, com a bucha ensaboada, esfrego o corpo desleixadamente, me enxáguo e estou pronto para sair.
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O Colecionador De Estrelas
RomanceQuando tudo o que mais presa, escapa por seus dedos e só o que lhe resta é o vazio da perda, Daniel se vê preso numa profunda depressão a qual não tem forças o suficiente para se libertar sozinho. Vivendo o resto de sua vida com dias cinzas, um empr...