Suicídio

400 14 10
                                    

Eu não sorri
E não me deixei chorar
Mas não pense que eu não sofri
por viver sem tentar
(Mundo – Abril)

Um dia me disseram que eu seria alguém importante, pois tudo o que faço transparece amor e competência. Eu espero que eles estejam certos, já que faltam alguns meses para a escola terminar. Mas isso não é o pior, o pior mesmo é não saber o que fazer depois do término. Decidi não encarar a maratona de vestibulares nesse ano, seria apenas mais um gasto inapropriado para o momento. Sempre gostei de escrever, sabe? Inventar histórias, personagens, lugares... Talvez eu tenha nascido pra isso. Pra criar e decidir o rumo de histórias. Não sei.

Ah sim, meu nome é Samuel, tenho 16 anos e nunca esperei tanto para dar adeus ao St. Patrick College. Não gosto de lembrar os maus bocados que passei por lá. Eu apanhei muito, sofri todo tipo de preconceito, piadinhas eram constantes. Eu só não aguento mais, sabe? Não aguento lembrar dia após dia de todo esse mal. Ainda bem que tudo já está chegando ao fim. Não vejo a hora.

Os dias passam devagar, cada vez mais. Mas sei que posso aguentar mais um pouco. Bom, pelo menos é isso que meus pais sempre me dizem. E eu faço o possível para aguentar. Todos os dias, depois da aula, pego esse caderno e escrevo. Escrevo até não poder mais. Mas eu nem me importo, eu gosto da sensação de ter uma caneta entre os dedos e decidir o futuro da história da vez. Por exemplo, agora mesmo estou escrevendo sobre a minha vida, não estou? Pois então, tudo pode mudar dessa linha em diante.

Meu professor, um dia, me chamou pra conversar. Eu achei estranho, porque nunca ninguém quis conversar comigo antes. Ele perguntou como eu estava e eu respondi que tudo bem. E aquele silêncio sepulcral dominou a sala. Estranho, não? Peguei minhas coisas e vim para casa. Não falei nada para meus pais. Apenas deixei aquela memória ser esquecida junto com tantas outras. É o que mais faço, além de escrever. Esquecer. Nem sempre é fácil. Meu médico mesmo já me disse, que se eu acumular memórias, não vai ser bom pra mim. Então eu tento.

Alguns dias são mais escuros que outros tantos e eles me incomodam cada vez mais. Porque eu sempre tive medo do escuro, sabe? E quando ele começa a me dominar, às vezes por completo, eu simplesmente entro em pânico. Minha respiração acelera, a taquicardia me visita, o suor frio escorre pelas têmporas. Nunca sei para onde olhar, não sei a quem pedir ajuda no momento. Então eu fico parado, encarando cada coisa que atravessa o meu olhar. Sei que deveria fazer alguns exercícios de relaxamento que aprendi com o médico, mas sério mesmo que você acha que eu lembro?

Ainda tento descobrir o real motivo disso tudo acontecer. Porque é só comigo, mais ninguém. Até parece que o mundo tá de sacanagem, mas ok, eu sei que não tá. É só que eu não aguento mais ter que abrir os olhos todas as manhãs sabendo de tudo que irei passar; sabendo de todas as vozes que irei ouvir. Não é legal ouvir o que não se quer. Não é legal ter que tampar os ouvidos todas as vezes que eles começam. Os sussurros, digo. São sussurros inacabáveis, sussurros que me perseguem do momento em que acordo até o momento de me deitar novamente. Tem dias que são constantes, tem dias que sequer aparecem. Até nomeei um deles: fúria.

Fúria é o sussurro mais forte de todos. Irônico, não?! Cada dia que ele resolve aparecer vem junto de uma reclamação. Na maioria das vezes, as reclamações são todas sobre aqueles que praticaram atos de violência comigo. Inclusive eu mesmo. A situação está cada vez mais crítica e juro que não sei como ninguém consegue enxergar isso. Sinto que a morte está cada vez mais próxima. Não sei explicar bem o porquê, eu apenas sinto. É como se a fúria me dissesse pra acabar logo com todo esse sofrimento. Estou relutando com relação a isso, pois não quero me livrar dos problemas dessa maneira. Mas cada dia que passa a fúria se fortalece mais e chega a me obrigar a fazer coisas que não quero. Coisas, essas, de que sempre tive medo. Medo de que o inevitável aconteça. Medo da forma de como isso acontece. Medo do que os meus pais podem dizer. E eles não vão só dizer, eles também vão gritar e se perguntar. Muito.

Confesso que agora estou com medo, mas já não tem mais volta. Eu precisava disso. Liberdade. Eu precisava me libertar assim como essas gotas de sangue que pingam na página sem querer. E também foi sem querer que essa história, particularmente, teve o futuro que tanto temi. Dois cortes. Nada mais.









SuicídioOnde histórias criam vida. Descubra agora