Diálogos #02 - Técnicas

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Continuando a matéria sobre diálogos, dessa vez falarei de algumas técnicas que você pode usar para torná-lo melhor e mais realístico. A primeira coisa que tenho a dizer é também um dos maiores e mais alarmantes, visíveis e feios erros que vejo sendo cometidos por aí. Sim, esse tal erro é algo que atinge minha espinha, mas que, surpreendentemente, eu não sabia identificar de jeito nenhum. Diversas vezes me peguei lendo um diálogo que me parecia estranho; algo ficava martelando na minha cabeça e apitando nos meus ouvidos, e nada de eu compreender o que diabos me azucrinava tanto.

Felizmente, algumas semanas atrás eu, finalmente (que cantem os anjos), descobri o que era.

O maldito do show, don't tell.

Sim, eu já falei dessa coisa vinte vezes aqui (ou mais), mas, bem, existe uma razão para essa ser considerada a regra número um de como escrever bem por muitos autores. E quando estamos falando de diálogo, a coisa não é diferente.

Mas como usar o show, don't tell nos diálogos?

Bem, veja esse exemplo:

- Você tem notícias da minha filha? - perguntou dona Ângela, preocupada com o paradeiro da menina.

- Não, mas não se preocupe. Vamos encontrá-la - murmurou Mário, tentando confortar sua esposa, que parecia estar completamente inconsolável.


O que tem de errado nesse trecho?

Simples: a cena acima está sendo dita, não mostrada e, por isso, não possui emoção nenhuma.

Sim, a tal dona Ângela está preocupada. Fui informada disso. O marido dela, Mário, quer confortá-la. Também fui informada deste fato. Mas cadê a construção de cena? Como o narrador-observador sabe que dona Ângela está preocupada ou que Mário quer consolá-la? Isso, infelizmente, não foi me mostrado.

Consertando o trecho, temos:

- Você tem notícias da minha filha? - perguntou dona Ângela em um tom trêmulo, os grandes olhos castanhos arregalados e marejados cercados por círculos escuros. Suas mãos finas, apertando com força a velha bolsa bege, estremeciam com cada vez mais força.

- Não, mas não se preocupe. Vamos encontrá-la - murmurou Mário com um sorriso que não chegava os olhos, se inclinando para apertar de leve os dedos frios da esposa, que mal pareceu perceber.


Dá para imaginar a cena bem melhor agora, não é mesmo? E, de quebra, ainda ficamos sabendo que dona Ângela tem olhos castanhos e que provavelmente é bem magrinha, coisa que no primeiro exemplo não nos é mostrado.

Claro que usar isso o tempo todo é impossível. Ficaria uma coisa muito cansativa e densa, mas usar o tell mais vezes é ainda pior. Novamente, a chave é saber balancear as coisas.

Outra coisa com que temos que tomar cuidado é com as action tags (ou simplesmente tags de ação). Sabe aqueles verbos que usamos para informar ao leitor o que o personagem disse? Então, eles mesmos. Existe toda uma polêmica acerca do "disse", por exemplo. Usá-lo muito torna sua escrita simples demais ou você pode abusar dele à vontade, já que ele é uma tag de ação praticamente invisível?

Para responder a essa questão, vejamos esse exemplo:

- Eu soube que ela ganhou dele em uma partida - disse Lucas, hesitante.

- A Laura? Ganhando dele? Óbvio que não - disse Ana, bufando irritada.

- Se eu fosse você, não duvidaria disso - disse Amélia, seu tom cortante.

- Ela é muito boa - disse Marcos, balançando a cabeça. Ana apenas revirou os olhos, para desgosto dos seus amigos.


Disse, disse, disse. Fica chato. Agora vejamos esse:

- Eu soube que ela ganhou dele em uma partida - comentou Lucas, hesitante.

- A Laura? Ganhando dele? Óbvio que não - bufou Ana, irritada.

- Se eu fosse você, não duvidaria disso - avisou Amélia, seu tom cortante.

- Ela é muito boa - concordou Marcos, balançando a cabeça. Ana apenas revirou os olhos, para desgosto dos seus amigos.


Agora ficou estranho. Comentou, bufou, avisou, blá blá blá. Fica muito mecânico, e nada realístico. Repetindo pela enésima vez, saber balancear é a resposta para todos os seus problemas. Veja:

- Eu soube que ela ganhou dele em uma partida - disse Lucas, hesitante.

- A Laura? Ganhando dele? - Ana bufou. - Óbvio que não.

- Se eu fosse você, não duvidaria disso - disse Amélia, seu tom cortante.

Marcos balançou a cabeça.

- Ela é muito boa.

Ana apenas revirou os olhos, para desgosto dos seu amigos.


Assim o diálogo fica bem melhor, e flui com mais facilidade.

Outra coisa: você não precisa usar action tagsrelacionadas à fala durante o diálogo. Lembre-se que descrição e diálogo não precisam estar necessariamente separados. Misturá-los é uma ótima ideia, e pode tornar sua história mais fácil e legal de ser lida. Abandone suas action tagssempre que possível.

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