O seu medo de traição não era natural.
Natural?
Não, talvez natural não fosse a palavra correta. O que seria natural em relação ao medo de se perder a mulher que se ama? Não para a morte, não para o desprezo ou falta de amor. Por traição!
Eu? Não sei. Não penso nisso. Mas ele... Ele pensa. Todos os dias. Todas as horas. Todos os minutos. Sempre.
Não é ciúme, não. Ciúme... Eu não toleraria. Não tolero.
É medo.
Pânico.
Ciúme é diferente... É extrovertido. Sonhador. Ciúme é imaginativo. Pensamos que alguém está olhando para quem amamos, imaginamos que ele retribui, fantasiamos os atrasos, as desculpas, os cheiros estranhos. Gritamos, perseguimos, extrapolamos e até matamos. Ciúmes é criativo.
Construtivo.
Medo paralisa.
Não há motivo para bater, para gritar, para implorar.
No ciúme há má condutas, ou, pelo menos, algumas mal explicadas.
No medo, não há nada de errado. Não há suspeitas reais. Não há inimigo certo. Não existe mudança esperada.
Ele temia.
Eu sentia.
Não havia nada que pudesse fazer. Nem eu. Nem ele.
Eu o amava. Amo.
Ele me amava. Mas temia.
Nunca olhei para o lado.
Não importava.
Não era cobiçada.
Não importava.
Não sonhava.
Não importava.
Não ansiava.
Ele temia.
Não gostava de novela, de comédia romântica, de drama de época: campo fértil para traição.
Não lia Machado, detestava Eça, evitava Tolstoi.
Vivíamos bem.
O medo à espreita.
Ele não comentava. Eu não perguntava.
Nos amávamos.
Certo dia, apareceu de terno vestido e mala na mão. Em seus olhos, o temor havia sumido:
- Vou-me embora. Não posso com a traição.
- Nunca te traí.
- Traí-te eu.