Reflexão

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Hoje é o dia do meu suicídio. Sei que parece estranho falando assim. Mas é verdade. Não tenho mais pra onde ir. Minha vida não faz sentido. É como uma prisão. Como corredor da morte,pra ser mais exato. Ou eu fico neste lugar,onde sou espancado por outros prisioneiros,ou cedo á cadeira elétrica. E neste momento,estou clamando por pela cadeira elétrica. Já fui espancado demais pelos detentos da vida. Não aguento mais.
Deixa eu explicar melhor minha situação. Sou Noan,tenho dezesseis anos. Quando tinha quatro anos,antes de ir para o trabalho,meu pai me pegou no colo,acariciou meu cabelo e disse:
_Papai já volta,tá?Consegue ficar quietinho enquanto isso?
E eu respondi:
_Sim,papai.
Ele me olhou com um grande sorriso no rosto.
_Esse é meu garoto.

Me deu um beijo na bochecha e saiu pela porta. Como sempre,eu sentei na calçada para espera_lo as cinco horas. O problema é que eu não havia percebido a mala grande em suas mãos. A mala que a gente usava para viajar. E mesmo lá,sentado na calçada,esperando,não só aquele dia,mas todos os dias durante cinco,não pude perceber que nunca mais veria o meu pai de novo. Nunca.
Se vocês acham que esse é o motivo do meu suicídio,estão muito enganados. Doze anos depois,quando tinha dezesseis,minha mãe foi diagnosticada com cancêr. Não acreditei de primeira,nem ela. Mas,com o passar do tempo,percebemos que era real. Então,por cinco meses eu acompanhei de perto a dor da minha mãe,enquanto o cancêr destroçava seu organismo. Finalmente(não pense que eu queria que isso acontecesse,só não aguentava minha mãe sofrendo)o câncer venceu minha mãe. Ela morreu numa sexta,dois dias depois do meu aniversário. Naquele dia,a ideia de suicídio passou pela primeira vez em minha cabeça. Tinha
começado a me esgotar.
No funeral,eu era o único. Sério. Só eu e o padre. Ele rezou o pai nosso,meio indisposto. Depois pediu que Deus tomasse nas mãos a vida de minha mãe e a abençoasse. Acreditei que ele faria isso. Orei e junto com o padre,esperei que ele fosse embora e comecei a enterrar minha mãe. O padre tentou se oferecer,mas falei que faria eu mesmo. Quando acabei,coloquei um buque de bromélias sobre o túmulo,as favoritas dela. Sai do cemitério chorando,sem saber como viveria,pensando que nada de pior pudesse acontecer. Mas aconteceu.
Depois de uns meses,minha guarda foi passada para meu tio Gus,um alcoolàtra que alegou amar e cuidar de mim incondicionalmente. Eu sabia que era mentira. Infelizmente,não tive escolha. Como eu disse antes,achei que as coisas não poderiam piorar. Estava errado. Meu tio me colocou pra dormir no sótão,abarrotado de poeira e ratos. Consegui me acostumar com a poeira,mas não com os ratos. Eles ficavam me rodeando,esperando o momento certo para atacar. Toda vez,eu sempre acabava gritando. E,toda vez,meu tio me batia por isso.
Dessa forma,passei a dormir com uma lata de veneno debaixo do travesseiro.
Dois meses depois,encontrei um cachorro na rua. Ele estava todo ferido e maltratado. Fiquei com pena. Levei_o para casa(sotão),e cuidei dele. Ele era sem dúvida a melhor coisa que me acontecia em dois meses. Nós brincavámos, corríamos. Fazíamos tudo. E meu tio não estava nem ai. Até que um dia,acabei jogando o frisbee do outro lado da rua. Ele foi pegar tranquilamente. Eu estava distraído olhando o jornal. Por isso só pude ouvir sons. Primeiro,um som de pancada. Depois,um gemido estridente vindo dele. Foi ai que eu olhei.
Ele estava morto. O motorista de caminhão era um babaca que não deu a mínima. Mais uma vez,tinha perdido algo importante em minha vida e,mais uma vez,estava enterrando alguém no cemitério.

Pronto. Agora vocês sabem porque vou me suicidar. Sabem que nada mais importa na minha vida. Chegou a hora.



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