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Pela terceira vez do dia eu tentava ficar sozinha. Deitada na grama encarando o gigantesco céu azul, eu conseguia ver ao longe nuvens cinzentas, prontas para trazer a chuva e acabar com meu único momento de paz do dia. Isso se outra chuva, um pouco mais palpável e mais parecido com uma tempestade, não decidisse aparecer e me puxar do buraco que eram meus pensamentos.

Pude escutar a voz de minha tempestade preferida me chamar, porém, eu precisava ficar o mais longe o possível. Na verdade, se eu fosse ser sincera comigo mesma, coisa que sempre fui terrível em ser, eu deveria pegar um foguete e mudar de planeta. E talvez, nem mesmo essa distância seria suficiente para tirá-lo de meus sonhos e pensamentos.

Continuei estática, deitada na grama, olhando para o céu, vendo a chuva se aproximar mais e mais e acabar com minha chance de aquietar meu coração. Senti um vulto ao meu lado e quando percebi, eu tinha companhia.

- Fugiste?

- Precisava colocar algumas coisas em ordem.

- Tudo bem pequena?

- Claro. - que não. Nunca estava. Fosse como fosse, sempre havia alguma coisa entalada em minha garganta que eu tentava segurar. Ele era um dos poucos que conseguia me fazer falar o que eu tentava esconder. Não era um truque que eu apreciava muito.

- Estão te procurando. O pessoal está querendo fazer uma fogueira.

- Vai chover. O pessoal deveria voltar para o hotel e ficar por lá. - e alguma das garotas poderia lutar comigo para ter sua atenção. Eu não me importo de perder... Eu disse, sérios problemas em ser sincera comigo mesmo. Eu ficaria furiosa.

- Não deveríamos entrar então? - Senti sua mão sobrepor a minha. Nunca achei aquilo estranho. Era um jogo que eu sempre estive consciente que estava jogando. E achava que tinha tudo sobre controle, mas estava errada o tempo todo.

Preciso de um detector de mentiras para usá-lo em mim mesma, eu evitaria muitas mentiras contadas entre minha razão e emoção.

- A fogueira não pode resistir à chuva, nunca disse que eu não poderia. Vou ficar mais um tempo por aqui, talvez a chuva seja exatamente o que eu precise.

- Está com cara de tempestade, não seria melhor entrar? Posso te ajudar com qualquer coisa. - Eu podia não estar olhando, mas sabia exatamente que tipo de sorriso tinha em seu rosto nesse momento. O jogo nunca parava. Fosse comigo, fosse com outra. Como eu podia ter me envolvido a esse ponto?

- Eu gosto de tempestades. - disse, evitando olhá-lo. Tinha medo que não resistisse e deixasse que ele me levasse de volta ao hotel.

Eu senti sua mão acariciar a minha, e meu corpo todo responder ao toque, se arrepiando. Sua mão livre foi até meu cabelo, jogando-o para o lado, deixando meu pescoço exposto. Eu sabia o que vinha em seguida e senti meu coração falhar uma batida quando os lábios macios tocaram a pele de minha nuca. Odiava que ele soubesse exatamente o que fazer, onde me tocar, onde me provocar. Ser tudo aquilo que passei tantos anos me convencendo que nunca encontraria em lugar algum.

O afastei o mais rápido que consegui me mover, o que não foi rápido o bastante. Respirei fundo, tentando manter meu coração dentro de meu peito.

- Eu preciso ficar sozinha. - Disse, encarando-o.

Foi quando eu soube que ele sabia. Minha tempestade sempre me disse que meu olhar me entregava. Foi apenas olhá-lo e ele soube que alguma coisa estava errada e ele estava no meio. O jogo. Maldito jogo.

- Tudo bem? Dessa vez a verdade, por favor.

Girei meu rosto para encara o lado oposto, eu sentia algumas lágrimas em meu rosto. Ah maldição! Eu não poderia chorar.

- Já di-disse que s-sim. Está tu-do maravi-vilhos.

- Você é uma péssima mentirosa. Pode me olhar, por favor.

Voltei a encará-lo. Ele estava sentando agora e então me levantei, sentando e encarando-o. Ele tinha em seu rosto um olhar apavorado. Eu nunca havia chorado com ele. Na frente dele. Sempre eram sorriso e provocações. Brincadeiras e carícias. Nunca havia ficado sério a esse ponto.

As nuvens haviam nos alcançado e senti o céu desabar sob nós. A chuva era gelada, mas senti-la me fazia sentir viva. Melhor que sentir a dúvida, o mistério e a raiva que borbulhavam dentro de mim.

Seus braços me puxaram para seu peito em um abraço. Senti ele beijar o topo de minha cabeça, como sempre fazia quando eu estava triste. Ele sempre me protegia, me paparicava, cuidava. O problema era que isso era com qualquer garota. Ele tinha milhares e eu só tinha ele. E eu nunca seria boa o suficiente para ele.

A dor e a dúvida eram duas coisas que eu não gostaria de viver com. Eu poderia viver com as duas ou apenas com uma. O que me faltava ali, no meio do abraço, no meio da minha vida, era coragem para fazer alguma coisa sobre o assunto.

- Algo que eu possa ajudar? - A chuva estava gelada e qualquer pessoa em sã consciência encontraria um abrigo e algo quente para se aquecer, não nós dois. Permanecíamos em um abraço que mais aumentava do que ajudava com meus problemas.

Ri, fria e irônica. Foi uma reação automática que me arrependi no instante que usei. Aquilo só o fez perceber mais ainda. Agora ele me olhava curioso. Afastei-me do abraço para encará-lo e mandá-lo embora. Se eu não ficasse sozinha logo, eu iria perder a lucidez de vez.

Abri a boca, mas a voz ficou ali. O olhar dele tinha algo diferente. Algo único. Nunca havia visto isso em seus olhos, contudo, havia algo de familiar. Era o olhar que ele tinha quando achava que eu não estava vendo. Tinha compaixão nesse olhar. Ele me fez sorrir e enquanto eu chorava, por nenhum motivo aparente.

- Tu achas que é um mistério. Mas posso lê-la como se fosse um livro aberto. - Ele disse sorrindo.

Novamente tentei respondê-lo, mas a voz não saiu. Eu estava em silêncio, chorando e sorrindo ao mesmo tempo, ensopada com a tempestade. Com as duas tempestades.

Eu me levantei, correndo na direção oposta. Eu não conseguia falar, não conseguia nem pensar. Havia, em algum canto, uma voz me dizendo para voltar ao meu quarto de hotel e trancá-lo para fora. Do quarto e dos meus sentimentos. Mas a voz estava baixinha, escondida pela tempestade e pelo meu choro. Tentei puxar o ar, parecia tão difícil respirar, fechei os olhos para me acalmar até que senti uma mão puxar meu braço.

Não tive tempo de perguntar o que estava acontecendo, ou o que ele achava que podia estar fazendo. Sua mão segurou meu rosto e ele beijou minha testa, seguindo para minha bochecha e acertando meus lábios, beijando-me ali mesmo, sem meu consentimento e ensopado pela chuva.

Mas havia algo diferente dessa vez. Eu senti que era diferente de nossos outros beijos. Eu não senti que o beijo fazia parte do jogo. Eu senti que, talvez, algo estava escondido nos sentimentos dele. Meu coração voltou a bater. Havia algo que meu inconsciente já sabia que eu não fazia ideia. Algo que ia mudar tudo. Virar o jogo e mudar as regras. Algo que me fez sorrir e abraçá-lo.

Eu apenas soube que tudo estava para mudar.

E eu não me importava nem um pouco.

Sério, preciso parar de mentir: eu estava apavorada.

Mas eu estava feliz. 

Mi TormentaWhere stories live. Discover now