A Batalha do Rio Esmeralda

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Os últimos raios solares do dia recaíam sobre Venea quando as trombetas soaram. O barulho não causou medo nem espanto, e tampouco surpresa. Todos já esperavam por isso; Zíuron, mais do que qualquer um. A hora de acabar com aquela rebelião estúpida já havia se passado.

Vestido para a guerra, o Deus da Sabedoria montou em seu cavalo alado negro, levantou sua espada para os céus e gritou para os mil homens e mulheres atrás de si, longe das muralhas da grande cidade de Venea:

- Não será uma batalha justa, devemos admitir, mas transformaremos a nossa desvantagem em um longo e heroico canto de vitória! Avante, ó defensores de toda a Terra, e afoguem o deus traidor com as águas de nossa honra!

Em uníssono, os cavalos alados bateram os cascos no chão e alçaram voo em direção ao lugar onde tudo acabaria, de um jeito ou de outro. O ar cheirava a morte, a ansiedade e a dor, o que só aguçou a raiva de Zíuron.

Chegaram ao campo de batalha em menos de dois minutos. O rio Esmeralda brilhava e se remexia, como se soubesse do iminente derramamento de sangue. Do outro lado da porção de água esverdeada, os dez mil guerreiros de Tamus, o Deus da Mente, pessoas que um dia juraram proteger as terras que agora semeavam com desordem, se tornaram visíveis.

Os traidores não possuíam montarias, com exceção de Tamus, que montava um imenso dragão negro, de olhos tão vermelhos quanto o interior de um vulcão. Sem cerimônias, os dois exércitos se atacaram.

No início, talvez pela força e agilidade sobre-humanas, apenas o tilintar de espada batendo em espada e os relinchos das montarias eram audíveis, mas, com o tempo, gritos de dor dominaram o ambiente e o odor de sangue invadiu as narinas de todos ali presentes.

Dois homens investiram contra Zíuron, e dois homens morreram perante sua espada alva. Sahott, seu cavalo, bateu as asas e atirou três soldados vários metros para longe, escoiceando uma mulher na cabeça e quebrando seu pescoço.

Um rugido ensurdecedor fez com que o deus esporeasse o cavalo em direção ao céu. No alto, Tamus o aguardava, o rosto velho tomado por sua arrogância e desprezo. O dragão era grande o bastante para engolir Zíuron e Sahott, mas o cavalo alado era ágil e se esquivava de cada abocanhada.

O pega-pega mortal durou minutos, até que o Deus da Sabedoria investiu contra seu oponente ao sobrevoá-lo. As espadas encantadas se chocaram com tanta força e energia que feixes de luz iluminaram tudo num raio de dois quilômetros. O céu se agitou e raios surgiram repentinamente, provocando incêndios nas árvores em que tocavam.

O dragão deu uma guinada para a direita e lançou uma torrente de chamas vermelhas. Sahott encolheu as asas e mergulhou por baixo da labareda. Frustrado, o réptil não teve tempo de se recompor, e por isso não escapou da longa lâmina de Zíuron. A fera rugiu e bateu as poderosas asas, afastando-se. A sua ferida no pescoço não era muito profunda, mas era larga.

Tamus gritou e, levantando a mão esquerda, lançou uma bola de fogo em sua direção. Sahott não foi atingido por pouco, mas, no meio da manobra, não conseguiu enxergar outras três esferas incandescentes que perfuravam o ar agitado até ele. Uma explosão em seu peito o empurrou para trás e provocou guinchos de dor, mas ele não ardeu.

- Renda-se, tio, e o presentearei com um lugar de honra no novo mundo. - Tamus sorriu malevolamente, girando a espada opaca em seus dedos. - Ou lute e morra!

Zíuron sabia que aquilo precisava chegar ao fim. Sahott concordou e, sem hesitar, avançou contra o dragão. Dessa vez, não se esquivou da mordida. Guinchou de dor ao sentir as presas da fera atravessarem o seu corpanzil, mas essa foi a deixa para Zíuron saltar e alcançar Tamus num combate direto.

Como previa, o Deus da Mente foi pego de surpresa e não teve tempo de se esquivar apropriadamente de seu ataque. As espadas se entrecruzaram e lançaram faíscas para todos os lados. Com a falta de equilíbrio, os dois despencaram do dorso do dragão, acelerando conforme se aproximavam do chão.

Os guerreiros de ambos os lados abriram um círculo para se manterem afastados da zona de impacto e voltaram a cortar e a dilacerar; as espadas, apenas borrões em meio a tanta ferocidade.

Abrindo uma cratera de quase dois metros de diâmetro, os deuses começaram a investir um contra o outro. Zíuron defendeu um golpe que ia em direção a seu pescoço e tentou acertar o abdome do adversário, sem sucesso. Descreveu um arco no ar e golpeou a cabeça desprotegida de Tamus, mas seu golpe foi interrompido imediatamente. Cada encontro de espadas provocava estrondos tão altos que muitos guerreiros olhavam-nos, perdendo o foco da luta e sendo massacrados pelos inimigos.

Zíuron saltou cinco metros para trás e, com um movimento das mãos, atirou dezenas de grandes rochas sobre Tamus, que desviou de cada uma delas sem aparente dificuldade. Livre da chuva de pedras, rolou para a frente e levantou a lâmina com toda a força, fazendo o Deus da Sabedoria pisar em falso.

Os golpes que se seguiram fizeram Zíuron cada vez mais ceder espaço ao adversário, até que estava tão dentro do rio que se esquivar de um golpe certeiro seria inútil. Olhou para o céu e não viu sinal do dragão. Desejou que Sahott estivesse bem.

Tamus se afastou e, quando Zíuron correu para sair do rio, apontou para o seu adversário, que não pôde mais se mover, independente do esforço que fizesse.

- Você vê? Isso tudo foi ridículo. Se fosse realmente sábio, teria evitado essa batalha infrutífera. Você me decepciona, tio.

Zíuron arregalou os olhos ao perceber que Tamus andava por cima das águas. O rio fora congelado. Usando a sua magia, quebrou o gelo que o prendia e levantou a espada, pronto para continuar a dança mortal. Tamus gargalhou.

E então tudo ficou escuro e em silêncio. Não pôde mais controlar a sua raiva.

- Que truque é esse, Tamus, filho de Kíntanus? Pensa que me cegar vai salvar a sua pele? - gritou, sentindo seus pulsos queimarem.

- Quieto - disse uma voz grossa atrás dele.

Praguejou quando foi impedido de se virar. Transpirando e ofegante, puxou os braços para o tronco e notou que estava acorrentado. Confuso, berrou:

- Onde estou?! Onde está Tamus?!

A voz grossa emitiu uma série de sons peçonhentos, que Zíuron imaginou ser uma risada.

- Tamus? Está na Terra, ora! Governando desde que acabou com você há trezentos e cinquenta anos. Onde mais estaria?

A Batalha do Rio EsmeraldaOnde histórias criam vida. Descubra agora