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– Asas de vela? – ela diz e deixa a boca entreaberta. – Esse é o plano? – Moira só viu a solução mirabolante após quase tropeçar no equipamento de vôo. Estava ocupada. Enquanto seguia com Rur para a cabana dele, limpava a última flecha retirada do corpo de um pirata. Nunca suportou usar equipamento sujo, em especial sujo de sangue.

– Cuidado! – grita o velho wulup ao ver que Moira iria tropeçar em um buraco logo atrás de si enquanto ela se afastava para observar melhor. Após observar com cuidado o furo ainda ligeiramente incandescente na terra, ela coloca o pé em cima e vê que sua perna toda entraria ali facilmente. Ao aproximar o rosto ela nota pequenos pedaços brilhantes de vidro formado na parede interna do buraco.

– Obra sua? Mestre?

– Passei décadas calculando onde isto poderia estar – ele ergue a mesma esfera azul que usava quando Moira acordou – Esse orbe é único em cada mundo. Obtive sucesso onde aqueles dois inúteis falharam... – sua voz morre num misto de desabafo com arrependimento por ter dito a última parte.

– Quem, majestade?

– Não... não importa agora, criança. Você já está familiarizada com asas de vela então?

– Voei de carona duas vezes apenas – Moira arregala os olhos e olha em volta. – Mas conheço o suficiente para saber que precisamos de algum ponto muito alto para decolar. Não vejo nenhum por perto. Além do mais, ela não parece grande o suficiente para levar nós dois até as ilhas centrais.

– Realmente não será possível irmos em dois. Terás de ir sozinha. Essas Asas de Vela são um protótipo e não consegui manter-me no ar por muito tempo, mas para alguém do seu peso isso não deve ser um problema. Quanto à altura, já pensei nisso – ele puxa uma pequena esfera negra de seu bolso. – Ponha a ponta de teu dedão na superfície desse orbe. Olhes para o lugar que desejas ir e, quando tiveres focado em um ponto, estiques o dedo para que o resto dele também entre em contato. Estarás lá em poucos momentos, mas há um limite. Eu jamais consegui ir além do que quinze tiros de flecha, e é necessário aguardar aproximadamente o equivalente a um oitavo de noite até poder ser utilizado novamente... – Rur ignora o olhar de quase desespero de Moira ao ser bombardeada com informações tão novas. Ele continua. – Será fácil saber, pois ele voltará a ficar brilhante como está agora. Pegaste tudo de que necessitas?

– Já, mas...

– Então prenda-te na Asa de Vela enquanto termino de explicar – ele mesmo vai amarrando a jovem no equipamento sem que ela ainda tenha assimilado muita coisa. – Olhes para cima, prendas a respiração, atives o orbe e segure-o firme até o salto acabar por completo. Não te esqueças de manter um ângulo minimamente aerodinâmico das Asas de Vela com o local para onde queres ir, pois serás arremessada para lá. Se as Asas estiverem em um ângulo muito perpendicular, vão acabar freando-te e, dependendo como for, elas podem até quebrar lá no alto e não queremos isso, não é? – Moira apenas concorda com a cabeça. – Vou te dar outro artefato – ele tira a pequena esfera vermelha que usou antes ao tentar enxergar longe. – Este orbe aumentará tua visão, olfato, audição e raciocínio. Basta apertá-lo um pouco para sentir os efeitos. Aperte novamente e ele cessará. Podes usá-lo pelo equivalente a um oitavo de noite ininterruptamente. Use-o apenas quando necessário, mas não economize seu uso. Vai te ajudar a calcular o trajeto e também em batalha. Se precisar entrar em combate sozinha, use-o também. Só não deixes que alguém olhe muito em teus olhos, pois tua íris ficará avermelhada e levemente brilhante. Podem acusar-te de usar magia negra e prender-te por isso – Rur coloca a corrente em volta do pescoço dela. – Aperte – ao obedecer, Moira tem todos os seus sentidos aguçados e, de repente, é capaz de assimilar toda a informação que lhe foi passada até então. Ela consegue saber onde focar a visão para ir o mais alto e mais longe possível. Toda a angústia por não saber o que fazer se foi também. Por último, Rur mostra um pedaço de papel dobrado para Moira.

– O que é isso? – ela o abre. Há um bilhete escrito, mas não é possível entender uma letra sequer.

– Wulup ancestral. Quando o império Tellar foi fundado, esse idioma já era velho. Na corte de Irralum, apenas meus filhos o conhecem. Bem... Tellkar não sabe. Entregue isso a Beruf ou Khrom. Eles saberão da urgência da situação e terão certeza de que fui eu quem escreveu. Agora vá! Não perca mais tempo – Moira acende o orbe negro e sente toda a pele de seu rosto esticar ao ser lançada no ar com uma velocidade jamais testemunhada por olhos civilizados. Em poucos momentos, ela encontra-se tão alto que o conjunto de ilhas de onde partiu parece-lhe minúsculo. Pegando uma corrente de ar quente na direção das ilhas centrais, ela plana para seu destino. Uma vez que tudo agora está estável em sua mente, ela apaga o orbe vermelho para poupá-lo.

~~ * ~~

Passada a hora de descanso do orbe negro, Moira decide ganhar tempo e o ativar para dar mais um salto. Focando em um ponto, ela executa o salto que lhe parece demorar um pouco mais dessa vez. Talvez por não ter precisado subir, ele teve energia suficiente para ir mais longe. Quando o salto termina, Moira sente de novo a freada brusca e fica alegre por já ser possível visualizar as ilhas centrais, mesmo que pequenas, à sua frente. Infelizmente, sua felicidade é maculada ao não sentir mais o orbe negro em sua mão. Rapidamente ela ativa o orbe vermelho e começa a procurá-lo. Com os sentidos novamente aguçados, a jovem Grimmark consegue localizar a pequena esfera escura caindo pelos céus de Irralum. Passa pela sua cabeça soltar-se da asa de vela, cair no mar e pegar o orbe. Sendo uma boa nadadora, ela pode conseguir capturá-lo e ainda apanhar a asa de vela onde quer que ela vá pousar, antes que afunde. Bastam poucos instantes para que Moira calcule o ângulo em que deve soltar-se bem como a provável trajetória que a asa de vela fará quando deixada sozinha no ar. Tudo depende, no entanto, se a esfera flutuará ou não. Com a mão na fivela para soltar-se a qualquer momento, ela se concentra e consegue seguir a trajetória do pequeno ponto negro caindo das alturas como uma pequena joia escura. Moira não escuta realmente o que acontece quando a esfera toca a superfície da água, mas em sua mente ouve suas chances de sucesso na missão diminuírem drasticamente ao som de um simples "tibluc".

– Merda! 

O Alerta do PeregrinoOnde histórias criam vida. Descubra agora