Os Faróis: Parte II

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Subir pelo mastro é difícil, mas não de todo impossível. O problema todo consiste em equilibrar-se na bola da ponta do mastro. O orbe a ajuda a calcular os movimentos corretamente. Ainda assim ficar em pé ali em cima exige a memória muscular de um artista circense. Por pouco ela não despenca ao tentar tal feito. Salvou-se ao agarrar a bandeira irralena. Agora, apoiada com as mãos na ponta do mastro e de costas para a torre, Moira se encolhe até seus pés ficarem o mais próximo possível do topo do mastro. Largando as mãos ao mesmo tempo em que toma impulso no alto do mastro, ela gira no ar para agarrar-se ao parapeito, esticando seu corpo o máximo que consegue. A mão direita alcança alguma coisa enquanto o resto do corpo dela se choca na construção. Assim que consegue apoiar a mão esquerda, Moira se ergue e logo seus cotovelos estão dentro do cômodo. Após um longo suspiro de alívio, ela se puxa para dentro antes que alguém veja. Uma taça de água deixada em cima da escrivaninha faz Moira recordar de que não come nada desde que decolou das ilhas onde encontrou Rur. Ela toma o líquido como quem acabou de sair do deserto. Enquanto procura inutilmente por algo mais que possa lhe saciar o apetite, a donzela ouve passos no corredor que a colocam em alerta novamente. Assim que o guarda passa pela porta do cômodo onde a irmã da rainha se encontra, é rendido pela ponta de uma flecha encostando-se a sua garganta.

– Me passe sua pistola... – diz ela. – Devagar... – o homem lhe entrega a arma. Verificando que a essa está carregada, Moira a engatilha e afasta a flecha da garganta do guarda. – Retire o resto de suas armas cuidadosamente e deposite dentro desse quarto – novamente ele obedece. Agora, de frente um para o outro, ela saca sua espada e a encosta no meio da garganta dele novamente, no mesmo lugar em que a flecha de antes deixou um furo superficial. – Você tem uma única chance de permanecer vivo. Eu não vou perguntar duas vezes: onde estão as crianças que chegaram com uma carta do conde Arthur Galford contendo um alerta de invasão corsária nas Ilhas Frias?

– Crianças? Que... – de costas, contra a parede, ele engasga ao sentir a lâmina do florete lentamente começar a penetrar em sua pele. – Estão trancadas em um quarto dois andares abaixo. A carta foi destruída. Eu realmente sinto...

– Me dê essas algemas em seu cinto. Coloque-as em você. Pronto. Quero saber onde estão as chaves do quarto das crianças e quantos soldados ainda há nessa torre.

– As chaves estão ao lado do próprio quarto delas. Ficamos somente em quatro soldados na torre, mais o capitão. Eles estão no farol vigiando a invasão e só eu estou aqui embaixo...

– Se alguma informação dessas não for verdadeira, você morre. Agora, vamos bloquear a porta de entrada da torre antes que os demais cheguem.

No caminho de descida, ele conta como, há poucas semanas, o capitão apareceu com ordens estranhas a respeito das Ilhas Frias. Foi contado aos homens da torre central que havia um movimento de independência e toda informação deveria ser interceptada. Por mais importante que aparentemente fosse, poderia ser um código para conspiradores na capital. O capitão deixou bem claro que essa informação não deveria sair daquela torre. O homem parece sincero ao relatar isso, mas Moira não pode se dar ao luxo de confiar nele. Entretanto, ela conta o que está realmente acontecendo. O soldado parece bastante solícito a partir desse momento, ajudando-a a passar as três toras de reforço na porta. Em seguida, ele a guia escadaria acima, até o quarto de Mairéad e Áaron, que parecem muito felizes ao verem Moira na porta. O soldado voluntariamente entra no quarto e aguarda que a porta seja fechada.

– Antes de fechar a porta, preciso dizer algo – ele aparenta sinceridade no olhar. – Dos três homens que estão com o capitão, apostaria minha vida que ao menos dois deles não estão cientes do que realmente acontece. Com as palavras certas não será difícil trazê-los para nosso lado. Sobre o outro, um loiro, eu já não posso dar certeza.

– Vou levar isso em consideração. Obrigada.

Subindo os próximos andares, eles passam novamente pelo quarto por onde Moira entrou. Ela olha para o mastro e para os garotos.

– Parem! – exclama Moira. – Venham cá, vocês! – olhando pela janela, ainda se vê confusão nas torres da praia. Moira pega um chicote preso à parede do escritório, o acerta no mastro e segura firme a outra ponta. – Desçam por aqui.

– Mas, senhora Moira – diz Áaron. – Se pegarmos uma pederneira, cada um de nós, poderemos te ajudar a derrubar os inimigos.

– Eu não tenho completa certeza de sucesso nessa estratégia, garoto. Prefiro que vocês desçam, procurem transporte e sigam para a capital. Mesmo em um barco a remo vocês podem chegar lá em duas horas – ela aponta para o resto do equipamento do soldado rendido. – Levem o que achar que vão precisar e desçam de uma vez. O tiroteio no litoral já começa a diminuir. E levem isso – diz, entregando seu medalhão e seu anel para Mairéad. – Eu não pisei mais em Irralum-Rilhe depois de adulta e poucas pessoas sabem que a rainha não é a primogênita do governante das Ilhas Frias, portanto, se você se apresentar como Moira de Grimmark e pedir uma audiência urgente com minha irmã, irão lhe atender.

– Mas quando a rainha colocar os olhos em mim, me lançará em uma masmorra por mentir.

– Lorelai raramente age por impulso. Se entregar o medalhão e o anel para ela imediatamente, deixará que explique a situação. Comece com a frase "A senhora Moira manda agradecer os mantimentos deixados em Bán Sciath". Ela vai te ouvir. Meu tio conta que, por segurança ou excesso de agenda, uma cortesã e um soldado se passam pelo rei e pela rainha de vez em quando. Pense no meu rosto e nos meus olhos e ninguém vai te enganar. Em todo caso – ela mostra o bilhete de Rur e o entrega para Áaron. – Entregue esse bilhete para um dos filhos de Rur. Para lorde Beruf, de preferência.

– O que está escrito? O que é "Fantomas"? – questiona o garoto ao abrir a carta e reconhecer apenas uma palavra no meio daquela sopa de letras desconhecidas.

– Não tinha reparado nessa palavra. Não faço ideia do que seja e nem o que significa o resto da carta. Apenas entregue. Beruf deve ser o único wulup lá de olhos violeta. Não tem como errar. Se eu estiver indo para uma armadilha, tentarei dar tanto trabalho a eles que demorarão a sentir sua falta, mas vocês precisarão convencer esses nobres da urgência de sua demanda o mais rápido possível.

Cada um deles pega uma adaga e desce pelo mastro. Moira os acompanha correndo até que sumam atrás das casas. Antes de continuar com seu objetivo, ela procura por armas no cômodo e acha duas pistolas de pederneira e um mosquete. Todos vazios, mas não demora até que ela encontre pólvora e munição. Essas armas, mais a pistola que ela já tinha pegado, junto com seu arco e flechas, lhe dão um pouco mais de confiança para seguir com seu plano.

O Alerta do PeregrinoOnde histórias criam vida. Descubra agora