Capítulo I

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Aos sete anos eu já entendia perfeitamente o significado da palavra "adoção", meus pais chamavam isso de esperteza, e bom... O significado desta eu não sabia.

Pensar que eu não tinha vindo da barriga da minha mãe Dalila, trouxe-me a pergunta "então de onde eu vim?"

Como a criança curiosa que eu era, perguntei. Meus pais respondiam que eu tinha vindo de outra barriga, mas que quem tinha me carregado no tal de ventre não conseguiria cuidar de mim, então queria dar para outra pessoa que pudesse dar tudo de bom para mim. No começo fiquei um pouco confusa com essa explicação. Contudo, quando cheguei aos nove anos de idade, eu já a compreendia. Porém, novamente, outra pergunta apareceu, aliás, duas: quem era essa pessoa? E por que não pôde ou não quis cuidar de mim?

Assim começou minha busca pelos meus progenitores, nem que fosse só minha mãe biológica. Eu queria saber! Ser tão nova, no entanto, não me ajudava e nem dava liberdade para eu procurasse sozinha o que eu queria. Querendo ou não, eu tinha que esperar.

Aos dez anos uma informação nova apareceu. "Sua mãe é brasileira, não sabemos de que cidade ou região, porém temos certeza que ela é do Brasil". Não era tudo que eu queria ouvir, entretanto, para uma garotinha de dez anos e que morava em Portugal — do outro lado do oceano, comparado ao país da minha mãe de sangue — era a luz no fim do túnel, o fio de esperança que eu podia puxar sem que ele se arrancasse e me deixasse cair.

Junto à minha sede de informação e de resposta, meus pais saíram do país natal deles com toda a família — eu e meus outros três irmãos mais novos — e fomos, exceto meus avós, para a terra do futebol e do samba.

A primeira coisa que nos afetou foi a troca de estações. Contudo nos acostumamos rápido por ter escolhido Santa Catarina como destino. Com o tempo já conhecíamos boa parte da vila portuguesa em que vivíamos e todos já haviam visitado a filial do restaurante português dos meus pais — o segundo motivo para termos vindo ao Brasil. Em relação ao motivo principal, eu ainda não tinha encontrado nada nem ninguém que me ajudasse a encontrar meus pais biológicos.

Lembro-me de um dia — meses após termos nos instalados em território catarinense — em que eu e Bárbara, uma das minhas irmãs, estávamos andando de bicicleta pelas ruas próximas da nossa casa, quando vi de longe uma mulher em um dos bancos da praça principal da vila. Seus cabelos castanhos e curtos, e sua pele bronzeada me chamaram a atenção. Cheguei mais perto e fiquei fascinada com seus olhos verdes, eram tão parecidos com os meus! Na minha cabeça eu já tinha criado várias vezes a imagem da minha progenitora, e aquela moça com certeza se assemelhava com o que eu imaginava.

Corri até em casa com pedaladas rápida, deixando uma Bárbara confusa para trás. Entrei correndo em casa e segui pelos corredores, sabia que mamãe estaria no seu quarto lendo algum livro de receitas ou seus favoritos — mas que me faziam arrepiar — os espíritas, bem bizarros a meu ver.

— Mama! Mama! — berrei subindo em sua cama. Ela tirou os óculos tão diferentes dos que eu já usava e eu vi nitidamente seus olhos azuis piscina.

— Acalme-se, querida. — Fizemos um truque de respiração que usávamos com o Tyler, quando ele tinha um ataque de asma. Sorri quando já estava mais calma e conhecia falar com clareza. — Agora conte-me, o que aconteceu?

— Uma moça, mama, ela é minha mãe! Igualzinha a mim! — Seus olhos se arregalaram e ela deixou o livro de lado. — Eu a vi na praça, vamos lá, mama!

— Filha, você falou alguma coisa com ela?

Neguei a cabeça sem entender o motivo daquela pergunta. Eu tinha que falar algo? Eu estava fazendo algo de errado? Por que os olhos da minha mãe ficaram tão tristonhos de uma hora para outra? Eram as questões que se instalaram na minha imatura mente diante da cena que se desenrolava.

— Fique aqui em casa, Ty está dormindo e não quero deixá-lo sozinho. Eu vou lá e falo com ela, certo? — Assenti ainda confusa, guardando minha empolgação. — Por você, meu amor.

Ela saiu do quarto, e eu me vi sozinha e curiosa demais para ficar ali. Corri até o quarto de Tyler que ficava no segundo andar, e o observei dormir tranquilo, sem nenhum problema com seu ataque de asma, o que preocupava constantemente minha mãe, que por causa dos poucos doze meses de vida do meu irmãozinho quase nunca o deixava sozinho. Satisfeita com o natural sobe e desce do seu peito, eu me afastei e me pus a pensar. Sabia que tinha uma janela ali com ótima vista para a rua. Arrastei, com cuidado para não fazer Ty acordar, a poltrona que papai usava para contar histórias para Tyler dormir até o batente da janela e subi nela para conseguir uma visão melhor.

Grudei meus olhos, sem óculos, na janela e vi minha mãe atravessando a rua calmamente. Eu gostaria de entender o que tinha visto em seu olhar, será que ela sentia medo de me perder caso eu encontrasse quem tinha me gerado?

Observei ela ir ter com a moça, trocar algumas palavras com ela. Em algum momento minha mãe se virou para cá, e eu jurei que olhavam na direção da janela do segundo andar, onde eu estava. Queria que meu pai estivesse em casa do meu lado, somente pela sua presença mesmo, porém ele havia ido trabalhar e levado a pequena Dayse de dois anos que não desgrudava dele.

Uma das piores coisas da minha pouca vida foi quando minha mãe voltou com a Bárbara em seu encalço. Sua expressão era de compaixão e eu já sabia a resposta: mais uma ilusão da minha mente infantil! Minha mãe nada disse, apenas me abraçou forte, tão logo minha irmã se juntou a nós.

Ao fim do jantar, minha mãe colocou Tyler para dormir novamente e Bárbara subiu para o quarto com a Dayse sem que eu ao menos notasse. Quando percebi só tinha sobrado eu e meu pai Thales. Eu estava cabisbaixa e mal tinha mexido na comida. Ouvi ele se levantar e seus passos ecoarem pelo ambiente enquanto ele dava a volta na mesa e parava ao lado da minha cadeira. Passou as mãos em meus cabelos, com sempre, bagunçando-os. E, após se abaixar, levou com um dedo abaixo do meu queixo em um pedido silencioso para que eu olhasse em seus olhos. Olhos tão castanhos, grandes e adoráveis que eu chegava muitas vezes a me perguntar se ele não era meu pai de sangue mesmo, só mudava a cor. Mas não era. Infelizmente.

Ele pegou em minhas mãos e me levou para meu quarto, passando antes no banheiro do corredor do segundo andar para que escovássemos os dentes e guardássemos meus óculos na caixinha que eu deixava no armário dali. Os guardei e coloquei a caixinha no lugar.

Ao entramos no quarto que vi minha mãe Dalila já estava lá com um sorriso fraco no rosto. Deitei e puxei os cobertores quentinhos até o pescoço, teríamos uma conversa. Eu sabia bem, sempre que eles se juntavam no quarto comigo à noite era para isso.

Xinguei-me mentalmente por ser uma filha tão chata e exigir demais deles por uma causa tão impossível — achar meus pais de sangue. Estava pronta para pedir perdão, dizer que se eles quisessem a gente poderia voltar para Portugal e ficar com o vovô e a vovó. Dizer que eu os amava mais que tudo e que eles eram tudo que eu precisava, e nada mais. Porém, eu era apenas uma criança confusa, perdida com tantas histórias, uma grande sonhadora. Dalila e Thales entendiam. E me abraçaram antes que eu pudesse abri a boca.

— Nós — começou meu pai —, amamos-te e os teus irmãos, guriazinha. Sabemos que deve ser complicado entender que tu não vieste da barriga da mulher que chamas de mãe, como os teus amiguinhos da escola.

— Tu sabes que nós iremos apoiar-te sempre, Lety. — Minha mãe acariciou minha bochecha com as costas da mão.

— Não importa o quanto tenhamos que fazer por ti, não importa se que o que tu nos pedires seja algo inalcançável. Tu és a Letícia, a nossa filha e por ti faremos tudo. E estamos a fazer — meu papa continuou e eu segurei as lágrimas.

— Hoje tu não encontraste a tua mãe biológica, mas se tu quiseres, se ainda for da tua vontade vamos trilhar esses caminhos junto contigo.

— Mesmo que... no final, tu se vás. — meu papa concluiu segurando em minhas mãos.

Eu empurrei os cobertores para o lado e me joguei neles chorando compulsivamente. Minha mãe também chorava.

— Amo-vos nunca vos ei deixar. Nunca. Vocês são o meu tudo, mesmo se nada der certo, eu já estou agradecida só por fazer parte da vossa família — falei entre soluços. Meu papa me sentou em seu colo e secou lentamente minhas lágrimas.

— Sem lágrimas, guriazinha. Está tudo bem agora. — Apertou-me em seus braços e fez um pouco de cócegas me arrancando risadas, só ele sabia onde eu as sentia. — Isso, sorrisos! E então nossa menina prodígio de 10 aninhos, vamos continuar?

— Vamos, papa!

Eu estava melhor, mais confiante, porém nunca me esqueci daquele dia, foi minha primeira decepção com relação à busca pelos mais pais verdadeiros. Eu apenas desejava que fosse a última.

Mas, com certeza, não era.

Fragmentada (Spin-off de EoReoV)Onde histórias criam vida. Descubra agora