4 | Nova zona de confor(ron)to

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Nos anos seguintes à Terceira Guerra Mundial, ficou-se entendido que o consumo de combustíveis fósseis deveria ser reduzido ao máximo, era uma das medidas propostas pela ONU para o controle do aquecimento global. Sendo assim, juntamente com a reconstrução das cidades, foi-se estruturando novas linhas de metrô e trem no país inteiro. Para atender à demanda, investiu-se em energia solar e eólica. Para viagens longas, ou inter-regionais, as estradas foram abandonadas e substituídas pelas linhas ferroviárias.

Para percorrer os mais de dois mil quilômetros da Capital até Recife, onde situava-se o Palácio da IR, Catarina teria de pegar dois trens naquele primeiro sábado de fevereiro. Em dois meses de férias e total tédio, não tinha conseguido elaborar um plano digno de ser colocado em ação, mas acreditava que aquelas horas observando as imagens borradas do lado de fora de seu país poderiam lhe dar alguma luz. Sendo assim, preferiu estender uma viagem que duraria no máximo duas horas de avião, para quase dez de locomotiva.

Enquanto seguia viagem, a garota tentou pensar no que poderia fazer para descobrir a verdade, mas nada lhe vinha à mente além de que estava indo passar os próximos três anos no lugar em que o pai morreu.

Abasteceu o celular do grupo de amigas da escola com fotos de lugares que passava, leu sobre a festa de aniversário de vinte e um anos do Príncipe Francisco e da Princesa Helena — evento que, apesar de ter acontecido há duas semanas, sempre evocava novas fofocas e fotos de celebridades — e não deixaram de recordar sobre eventos da noite de formatura.

Após o anúncio no final de novembro, muitas coisas mudaram na vida da garota. Ela mal se lembrava que tinha conhecido tantas pessoas na vida, mas parecia que cada uma delas se lembrou de Catarina e lhe mandaram mensagem com parabenizações. Em pouco mais de uma semana, ela já não sabia mais o que era ter algum tipo de privacidade nas redes sociais.

Ela não admitiu para Clarissa ou para Kiara, mas também tinha encontrado o perfil de seus colegas. Queria descobrir com quem estudaria nos próximos três anos.

Não gostava de perambular pelos lugares sem um destino fixo, então assim que saiu da estação de trem, pegou um carro por aplicativo até a IR. Havia muitos fotógrafos documentando a movimentação intimidante dos alunos no portão de entrada, provavelmente para sites de fofocas. Malas enormes, caixas de papelão e até móveis estavam sendo transportados para dentro do Palácio.

Se deixou levar pela ansiedade e cravou as unhas no antebraço direito, enquanto se permitiu um minuto de apreciação do lugar.

A divisão do Palácio com o mundo comum se dava por um enorme portão de ferro, se estendendo horizontalmente até onde não conseguia ver. A fachada do palácio era branco, um tanto antiga, mas conservada, mostrava a grandeza e o empenho do primeiro rei ao construir aquele lugar.

Mas enquanto o site do Instituto só mostrava o exterior, não deixou de se impressionar com o interior. Chão de porcelanato branco, cortinas em cores pastéis e muito minimalismo com várias obras de arte penduradas nas paredes. Catarina ficou admirada com todo aquele esplendor.

Aquilo fez seu estômago revirar.

— Não, não, não. Não toca nisso — ouviu uma mulher gritar. A primeira antessala estava completamente lotada, parecia pequena demais para todos os alunos. Procurou pela voz e encontrou a dona. Com a pele negra e cabelos lisos escuros que caiam até a metade das costas, ela vestia uma roupa formal e segurava uma prancheta digital enquanto tentava equilibrar um vaso. — Atenção, aqui! — ela gritou e todos pararam. — Segunda e Terceira Classe, para os seus quartos agora.

Pelo tom de voz autoritário e como não demorou menos de dois minutos para que toda a bagunça fosse dissolvida, Catarina entendeu que não deveria irritar aquela mulher. Ela olhou para o relógio de pulso, conferindo o horário. Mais cinco minutos e ela não chegaria a tempo.

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