Meio corvo, meio lobo

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A meia-lua já brilhava no céu quando o príncipe Azra Syeva de Lyos se levantou, olhos azuis brilhando sob sua coroa de ossos, e anunciou que caçaria um deus.

Uma onda de choque se espalhou pelos elfos na clareira e outra de murmúrios a seguiu, duzentos pares de olhos se voltando para o herdeiro Syeva. Partiriam na manhã do sexto dia do Sin Avrel, dizia o príncipe, uma figura branca e prata no palanque, um sorriso que Sian conhecia bem se agarrando em seus lábios. Assim que o Dia de Luto chegasse, eles deixariam aquele mundo novamente, e dessa vez não retornariam de mãos vazias. Lyos enfim teria o poder de um segundo deus ao seu lado.

Uma explosão de vivas soou à sua volta, cortando o ar fresco da noite e afogando os sons da floresta em volta deles. Sian permaneceu em silêncio, parado, por um instante mais antes de deixar seu lugar no canto da clareira e se dirigir ao palanque, desviando-se dos lobos e dos elfos que riam e brincavam. Aqui e ali ele podia ver um franzir de testa confuso, uma expressão de nervosismo e até mesmo o brilho do medo em olhos com íris de gato, e destes sinais de inquietação ele desviava o olhar com rapidez. Deuses não deviam ser desafiados jamais, era o que os sacerdotes diziam, mas o que fazer quando seu príncipe comandava o poder de um com o menor dos gestos?

A pedra azul no centro da coroa de ossos brilhava como se tivesse vida quando Azra enfim se aproximou, os elfos que ele agora deixava para trás encarando Sian com o mesmo olhar frio de sempre. O humano ofereceu-lhes seu melhor sorriso, e ao seu lado o príncipe riu, dedos fechando-se em volta de seu pulso. "Ciúmes," ele disse, puxando-o para longe da multidão. "Ignore-os."

"Quando posso fazer com que se sintam ainda pior do que já se sentem? Jamais."

Azra riu novamente, o som se espalhando pela clareira com nitidez acima do burburinho. Os elfos mais próximos se viraram para ele, ignorando Sian completamente, mas ele não se importou; ninguém era capaz de desviar sua atenção do príncipe desde que eles tinham voltado da cidade morta sob o castelo, não quando o som de sua voz vibrava com o poder divino. Azra era real, mais real do que tudo em volta deles. "Eles não fazem ideia de com quem estão lidando," o príncipe disse, trazendo-o de volta para a realidade. "Nem mesmo depois de todos esses anos."

"Não conseguem ler minhas orelhas," murmurou Sian, arrancando mais um sorriso do elfo, as orelhas dele movendo-se rapidamente em direção aos vários sons da clareira. Sian conteve o impulso de mandá-lo parar; jamais se acostumaria com elas. "Disse que partiríamos no sexto dia do Sin Avrel," ele continuou. "No Dia de Luto."

"Melhor do que partir agora." Azra se virou para a multidão, as chamas das fogueiras refletindo em seus olhos azuis, seus lábios ainda curvados em um sorriso. Eles tinham parado de andar e ali, próximo às árvores, o ar da noite era refrescante, quase frio. A pouca luz fazia do príncipe um fantasma, seus cabelos loiro-prateados sob a coroa de ossos brilhando suavemente na escuridão. "Nunca me perdoaria se eu lhe roubasse cinco dias de festa."

Uma pequena parte de Sian vibrou com satisfação e ele não pode evitar um sorriso; à sua frente, Azra revirou os olhos. O príncipe jamais partiria em uma caçada sem ele, não importa o que os outros elfos dissessem ou quantos disputassem pela oportunidade. "Não jogue toda a culpa em mim," ele disse, ainda sorrindo. "Foi você que escolheu nos trazer aqui para o Sin Avrel, mesmo sendo inverno." Não que isso incomodasse em algo. Eles estavam ali há semanas, e não havia sinal de neve, e continuaria assim enquanto Azra desejasse. Sian levantou uma de suas sobrancelhas. "Os sacerdotes não ficarão felizes, Az. E nem seu pai."

O príncipe lhe lançou um olhar exasperado. "Não você também, Sil. Já me basta Zai. Ele não para de falar nisso desde que lhe contei."

"Você e Vesda vão se casar com ele," Sian lhe lembrou e Azra voltou a revirar os olhos. "Em o quê, dois meses?"

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⏰ Last updated: Feb 04, 2016 ⏰

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