A chuva caía aos torrões lá fora e abafava os gritos da mulher na cripta da Igreja. O padre entoava cânticos de uma língua que Robert não compreendia de todo. A freira idosa que embebia um pano com água morna tinha as mãos trêmulas e balbuciava palavras inteligíveis.
Era chegada a hora.
Robert temia mais que tudo por esse dia.
Seu filho estava nascendo.
Era de se esperar que um pai ficasse nervoso pela chegada de um filho, mas o homem que via tudo pelo canto do cômodo pequeno sabia que essa criança não era esperada e muito menos deveria nascer. Sua esposa queria interromper a gravidez assim que soube, mas Robert a impediu. Ele queria ser pai e sua esposa corria o risco de nunca mais poder conceber um filho.
Ela gritou mais alto e se contorceu mais ainda na cama. A madeira rangia e Robert temeu que a cama quebrasse. Apertou o punhal que segurava com mais força, com receio de o que quer que estivesse lá fora esperando por eles, por esse bebê, invadisse a Igreja e os atacassem.
Um trovão ribombou, mais alto que qualquer outro, lá fora. O padre continuava com seus cânticos, as luzes das velas o fazendo parecer uma caveira descarnada.
- J-já cons-sig-go v-ver s-s-sua c-cabeça. - A velha gaguejou, com os olhos anormalmente arregalados em sua face pequena.
Sua esposa chorava e implorava entre os gritos:
- Faça isso parar, por favor. Eu não aguento mais...
Robert tremia de nervosismo e seu estômago dava nós. Deu um pulo quando sentiu a mão calejada e dura do padre agarrar seu ombro.
-Está na hora. Se prepare.
Repentinamente mudo, Robert só conseguiu assentir. Os dois homens foram para cada lado da mulher e seguraram seus braços enquanto ela se debatia e gritava. Foi o intervalo de tempo mais demorado que Robert esperara. Pareceu uma eternidade até perceber um choro fraco, quase inaudível vindo do colo da velha. A criança estava nua e ensanguentada, e a freira a segurava como se ela fosse um verme.
- Tome, segure ela. Sim, é uma menina. Agora feche a boca e se mecha. Pegue ela logo.
Robert a segurou. Aquela criatura era tão pequena e indefesa. Ela abria e fechava a boca como se buscasse algo.
- Ela quer leite. Leve para a mãe dar o peito.
E assim ele fez. Sua esposa estava cansada, respirando irregularmente na cama empapada de sangue.
- N-não, eu não quero. T-tire essa coisa de perto de mim! - Protestou a mulher, com a fala embargada. Ela estava tão suada que sua pele refletia à luz das velas. O padre se aproximou e tentou acalmá-la.
- Vamos, a criança tem que se alimentar. O tempo está ruim e nessa hora nenhuma mulher vai querer sair de sua casa para vir amamentar uma criança.
- Padre, por favor. Eu não quero tocar nessa coisa...
- Ela é sua filha, você querendo ou não. - Repreendeu o padre. - Dê o peito a ela só dessa vez.
A criança choramingava em seu colo, e Robert olhava ansioso para o padre. Sua esposa não disse mais nada e o padre assentiu para que Robert levasse a recém nascida para o colo de sua mãe.
- Isso, segure com cuidado. A cabeça dela tem que ficar na altura de seu mamilo.- Instruía a freira idosa.
Logo a bebê aprendeu como sugar o leite do seio da mãe, e se alimentou demoradamente. A mãe quase não se mexia. Ela olhou cautelosamente para a criança embalada em seu colo. Era tão pequenina e inofensiva.
A mulher continuava a encarar o semblante sereno da criança, quando Robert percebeu seus olhos se arregalando. Olhou para onde sua esposa olhava e ficou horrorizado com o que viu. Sua mulher gritou de medo e soltou a criança de uma vez na cama. A criança agora chorava alto e tinha os olhos abertos. Seus olhos é que tinham horrorizado tanto a mãe e a todos ali presentes.
Os olhos da criança eram duas lacunas totalmente negras.
A chuva lá fora continuava e os ventos sopravam mais fortes. Os trovões ecoavam nas paredes da Igreja e ninguém lá fora imaginava o que estava acontecendo.
Um demônio havia acabado de nascer.
Obrigada por lerem! Comentem se gostaram. Críticas construtivas são sempre bem-vindas. :)
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Valerie
ParanormalE se de repente, você descobrir que durante sua vida inteira você foi enganada? Que o mundo a sua volta é uma pequena fração da realidade? E se você descobrisse que seus medos são reais? Como você reagiria, como você protegeria a si mesma e a quem v...