- Coraline... Você precisa parar com isso... - Vick me disse com a voz embargada.
- Já falei para você não me dizer o que fazer... Você sabe que não adianta. - Aprofundei a lâmina em meu pulso, o corte se desenhou em minha pele e meu sangue se esvaiu. Ela se sentou na bancada e suspirou.
- Poderia pelo menos fazer quando não está comigo... - Guardei a lâmina no armário e a olhei sorrindo.
- Gosto de ver sua cara de agonia. - Ela revira os olhos, me sento ao seu lado. - Como está Tyler?
- Não sei, e nem quero. - Dei uma cotovelada em sua costela.
- Aham, sei.
Fomos para meu quarto e decidimos fazer uma maratona de AHS pela quinta vez. Pegamos refrigerantes e salgadinhos. Quando Vick estava comigo me sentia mais... Segura. Era minha única amiga, bom, era raro encontrar pessoas que me entendessem. O peculiar gosto por tudo que envolva terror e paranormal, depressão, tentativas de suicídio e constantes fantasias com a morte de meus colegas de escola. Mas apesar de nos falarmos 23/24 horas por dia, a solidão era minha amiga constante. Não quero ser aqueles góticos viciados em poesias que vivem chorando pelos cantos. Minha tristeza não costuma dar as caras para os outros. " Você é grossa, insensível, cruel, irônica, sádica, sarcástica, fria, e... Me esqueci de algo? Enfim, Coraline, ninguém que tenha bom senso e inteligencia seria seu amigo. É por isso que ando com você. Sou burra e gosto de correr riscos. " , Vick me dissera uma vez. Ela estava totalmente certa, em definir ambas. Vick foi para sua casa no outro dia depois do almoço, passei pela sala e vovó tentou puxar assunto, ignorei e subi para meu quarto.
- Cora... - Ela disse abrindo a porta de meu quarto, tirei meus fones e declarei antes que ela dissesse mais.
- Vó, primeiramente, não me chame de Cora, é ridículo. - Ela se sentou na beirada da cama e me olhou com aquele olhar de pena que tanto me irritava.
- Me desculpe... Enfim, iremos ver seu irmão amanhã de manhã, e por favor, não leve cigarros para ele desta vez. - Dei um mini sorriso. - E... Você não vai a escola a duas semanas, você acha que não sabemos, mas é obvio. Por favor, podemos ter problemas se você faltar o semestre inteiro! - A olhei com irônia.
- Oh, me desculpe! Mas, problemas vocês terão se me obrigarem a ir naquele inferno. Por que irei matar aqueles malditos, e adivinhe vovó! Vocês serão responsabilizados! - Ela me olhou com indignação, se levantou e andou até a porta.
Calmamente ela se virou para mim.- Espero que sua mãe me perdoe por não ter te criado direto. - Ela saiu e fechou a porta atrás de si. Soquei meu travesseiro. Odiava quando ela citava minha mãe. Me levantei e fui até meu armário, o abri e me sentei em um dos cantos dele que estava vazio. Desde que me mudei para aquela casa a onze anos, sempre me fechava no armário quando queria ficar totalmente sozinha e pudesse chorar sem que ninguém me incomodasse. Eu amava minha avó, e amava meu avô, admirava a força deles. Sei que não foi fácil passar tudo o que passaram, e sinceramente, qualquer pessoa que me tolerasse por mais de dez minutos merecia meu respeito. Mas odiava quando eles se culpavam, por raios, será que era tão difícil entender que eu sou assim porque eu quero, eles me criaram e me educaram perfeitamente.
Suspirei e encostei minha cabeça na parede. Logo comecei a ouvir sussurros. Olhei para frente, apenas cabides e meus casacos, revirei os olhos e me encostei novamente.
- Quando você era menor, costumávamos conversar sempre, agora você nem me reconhece. - Foquei minha visão e minha irmã me encarava a poucos centímetros de meu rosto, por impulso tentei me afastar, mas relaxei logo em seguida.
- Oh, oi Melanie. Me desculpe, minha cabeça está muito cheia.
- Eu sei. - Ela sorriu. - Vovó sempre me irritou também. E, tirando isso, como está?
- Péssima, como sempre. Sou um eterno pontinho negro numa imensidão branca. - Rimos.
- Você sabe que, se quiser, pode vir ficar comigo. Você iria adorar. - A olhei desconfiada.
- Sabe Melanie, as vezes me assusta o jeito como você me olha, e como sua voz soa quando me convida a ir com você. - Ela abaixou a cabeça e esboçou um sorriso.
- Pensei que não tivesse medo de nada. - Me aproximei dela e disse pausadamente.
- Eu... Não... Tenho. - Sorrimos.
Era bom falar com minha irmã, sim, pode me chamar de louca, mas ela não é realmente ela. Melanie supostamente morreu a onze anos, junto com minha mãe, porém, seu corpo nunca foi encontrado. Na primeira vez que ela falou comigo, confesso que quase fui a psiquiatra de meu irmão. Mas... Ela me entendia como se conhecesse minha alma. Mas que Vick, que vovô e vovó, ela sabia tudo que eu pensava e sentia. Quando conversavamos me sentia bem e ao mesmo tempo desconfortável, como se estivesse fazendo algo errado. Nunca tentei deixar de me comunicar com minha irmã. Meu irmão havia enlouquecido, meus pais morreram, ela mesmo morta pelo menos me fazia companhia, talvez isso explicasse minha obsessão por sobrenatural.
TRI TRI TRI.
Meu despertador quase me fez ter um ataque cardíaco, me levantei sonolenta e literalmente o joguei na parede. Cinco minutos depois de cochilar sentada na cama, fiz o que tinha de fazer e desci para a sala.
- Bom dia! - Vovô me abraçou e me beijou os dois lados de meu rosto como sempre. Vovó pegou a chave e fomos para fora, visitar meu irmãozinho com problemas psíquicos.
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Fantasium
FantastiqueApós anos dos acontecimentos na fatídica férias de inverno da família Western e dos acontecimentos que marcaram a família de uma triste e assombrosa maneira a vida dos únicos filhos sobreviventes, Coraline e Sebastian Western sofre novamente interve...