XVI

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Estava lavando minha roupa usando aquele tanquinho grotesco da Anna. Aham, leram bem, lavando roupa, vulgo, Clark sem unhas grandes, sem esmalte decente, com mãos ásperas e engelhadas e por aí vai. A roupa metade molhada e os braços doloridos de tanto torcer e estender os tecidos. E eis mais um dia pós trabalho, onde as tarefas domésticas me aguardavam.
Depois de dar uma geral na cozinha e de toda roupa devidamente estendida, pude enfim pegar o celular e fuçar um pouquinho. Ignorei meu Whatsapp que não sabia porque raios passava de quinhentas mensagens. Dei uma olhadinha básica no twitter, e então passei para o Instagram, talvez postasse uma foto que tirei no alazão da Anna, é, ela ficou boa. Mas antes vasculhei minha timeline, mas sem dar muita importância para isso.
O que me chamou a atenção fora o número de notificações. Ok, sempre houveram muitas, mas hoje os números eram absurdamente ridículos. A primeira coisa que notei foram as marcações. Milhares delas por diversas pessoas estranhas. Mais follows do que costumo ganhar.
Franzi a testa quando vi uma foto que me era familiar. Antes de cair a ficha, cliquei na mesma, onde uma tal Nanny Hollow escreveu uma frase qualquer que não me dei ao trabalho de ler de imediato, pois a tal foto me prendeu a atenção de modo que parecia me sugar para dentro do ecrã. E assim eu me vi ali. Com outros olhos, em outra perspectiva.
A garota loira com cabelos de sereia não tão brilhosos, sorria simples, com pouca maquiagem, ela era bonita e parecia um sorriso muito sincero. Na sua blusa estava escrito Golden Market, meus olhos cresceram alguns centímetros e tapei minha boca com a repulsa que senti naquele momento.
Milhares de comentários maldosos, de escárnio e gozação pairavam em minha tela. Sites de fofoca divulgavam a imagem como um banquete para os espectadores, onde o porco com a maçã na boca prestes a ir para o forno, era eu. Clark Everett. A milionária nascida em berço de ouro, adornada pelos acessórios e roupas mais caras que o dinheiro pudesse comprar, estava ali. Com uma camiseta de algodão, sentada em um balcão puído de um mercadinho qualquer.
Mas sabem o que é pior? Eu não estava puta por estar naquela situação, estava puta por mais uma vez ter sido apunhalada pelas costas por aquele infeliz.
Levantei da cama com ódio lambendo minhas veias. O celular tocou e então percebi minhas mãos trêmulas ao ver o nome piscando.

- Filho da puta do caralho, como ousa me ligar depois de tudo?

- C. escuta...

- Não! Escuta você seu merda. Não pense que vai me atingir com isso. Se queria dinheiro poderia ter pedido, era mais fácil. Mas preferiu bancar o cretino ordinário.

- Clark, só me deixe falar...

- Vai pro inferno. Você, sua ganância, suas mentiras, seu ordinário. Ainda não acredito que me deixei envolver por uma pessoa tão suja quanto você. E não me liga mais, pois não respondo por mim.

Desliguei o telefone na cara daquele bosta do Jameson. Como ele ousou divulgar minha foto pessoal? Como ele pôde ser tão descarado e imbecil?
Sem saber o que fazer, fiz a única coisa que me veio em mente. Sair e espairecer. De repente lembrei da pequena cachoeira que havia para além do jardim que Anna cultivava. Esfriar a cabeça de modo literal não parecia má ideia. Pensei em meus pais surtando com a notícia. Sua única herdeira gerando mais um desgosto e levando o nome da família para o buraco mais uma vez. Theo que se prepare, se ele pensa que as coisas ficarão por isso mesmo, está muito enganado.
Assim que avistei a água, deixei a brisa e o barulho da correnteza me acalmarem. Sentei na beirada, pondo somente os pés na água, enquanto tentava limpar a mente para lidar mais tarde com o que quer que fosse. Fechei os olhos e inspirei algumas vezes, absorvendo o sol fraco que ainda pintava o horizonte.

- Clark?

A voz baixinha parecia não querer me incomodar. Há alguns dias vinha o ignorando, nada mais justo depois do belo fora que levei.

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